Tragédia Revela Fragilidades no Sistema de Saúde Mental

O incêndio que resultou na morte de cinco internos no Instituto Terapêutico Liberte-se, no último domingo (31 de agosto), expõe uma preocupante realidade sobre o tratamento de saúde mental no Brasil. O professor Pedro Costa, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), descreve o incidente como um forte indicativo daquilo que ele classifica como uma “indústria da loucura”. “As tragédias que vemos não são um resultado inesperado; são, de certa forma, consequências anunciadas pelos métodos de tratamento utilizados nas comunidades terapêuticas”, afirmou o especialista.

A avaliação de Costa destaca a questão do financiamento público direcionado a essas comunidades, onde métodos ultrapassados e práticas questionáveis ainda são a norma. No Distrito Federal, o Conselho de Política Sobre Drogas (Conen) destina uma parte dos recursos do Fundo Antidrogas (Funpad) para essas instituições, o que, segundo o professor, é um erro crasso.

A Normalização de Práticas Questionáveis

Durante a análise, Costa enfatizou que as comunidades terapêuticas estão cada vez mais aceitas pela sociedade, mas isso não justifica sua existência. “O problema não está na legalidade ou ilegalidade dessas instituições, mas sim na sua própria existência. Há décadas, discute-se que os manicômios são locais de violência, e isso se reflete nas comunidades que atuam sob os mesmos princípios”, alertou.

O Instituto Liberte-se, em particular, foi alvo de denúncias de maus-tratos e condições desumanas, como internos trancados e trabalho forçado. Essas práticas estão longe de ser um caso isolado, de acordo com o especialista. “As comunidades terapêuticas são, na verdade, o carro-chefe da contrarreforma psiquiátrica”, comentou.

Fiscalização Deficiente e Propostas de Mudança

A recente tragédia também trouxe à tona a ineficiência da fiscalização em alvarás, não apenas para clínicas, mas para variados estabelecimentos. O sistema atual é fragmentado, com múltiplos órgãos de controle envolvidos, mas sem uma padronização ou supervisão adequada que garanta a segurança das instituições. A professora de Saúde Coletiva da UnB, Carla Pintas, defende que o Poder Público deve estabelecer um modelo uniforme de fiscalização, com o objetivo de garantir a segurança e a saúde de todos.

A Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) já recebeu um projeto de lei que visa regulamentar a fiscalização de incêndios nas clínicas, prevendo inspeções regulares e multas de até R$ 200 mil para irregularidades identificadas.

As vítimas do incêndio, que são lembradas pela comunidade, incluem: Daniel Antunes Miranda, 28 anos; Darley Fernandes de Carvalho, 26 anos; João Pedro Costa dos Santos Morais, 26 anos; José Augusto Rosa Neres, 39 anos; e Lindemberg Nunes Pinho, 44 anos.

Resposta do Governo e do Conen

Em busca de esclarecimentos sobre a tragédia, a equipe do Metrópoles tentou contatar o Governo do Distrito Federal (GDF), mas permanece sem resposta. O Conen, por sua vez, comunicou por meio de nota que instaurou um Grupo de Trabalho específico para investigar as condições do Instituto Liberte-se e que continua a realizar diligências ordinárias em resposta a denúncias.

Além disso, atualmente existem 14 comunidades terapêuticas registradas no Cadastro de Entes e Agentes Antidrogas do DF. A situação levanta uma discussão urgente sobre a abordagem do Estado em relação à saúde mental e o modelo de assistência adotado.

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