**São Paulo — O “desbloqueio em lote” de descontos sobre mensalidades de aposentadorias foi uma ação inédita realizada em outubro de 2023, que lançou luz sobre uma vasta operação de fraude envolvendo o Instituto Nacional do Seguro Social (inss). Esta questão explosiva, que foi destaque no Metrópoles, resultou em uma ação coordenada pela Polícia Federal (PF) na semana anterior.**
Conforme revelado em relatórios da Controladoria-Geral da união (CGU), as evidências sugerem a formação de uma verdadeira “indústria” de fraudes direcionadas a aposentados, perpetrada dentro do próprio inss. Após a ação da PF, cinco executivos do instituto foram afastados, incluindo o então presidente Alessandro Stefanutto, que foi demitido no mesmo dia do afastamento. Essa movimentação gerou um clima de apreensão e crítica nas esferas pública e social.
Na primeira etapa do desbloqueio em massa, mais de 34 mil descontos foram liberados. Avançando para agosto de 2024, esse número saltou para 69,5 mil aposentados beneficiados. Uma vez iniciado esse processo, os pedidos para novos desbloqueios passaram a ser realizados em grande escala. A previsão era de que as liberações fariam parte de um fluxo contínuo, mas a falta de controle e supervisão na inserção de dados levantou sérias questões sobre a segurança e a integridade do sistema.
Os dados que deveriam ser arquivados por representantes das entidades associativas foram, surpreendentemente, inseridos por dois servidores do inss, Reinaldo Almeida e Geovani Spiecker, na época chefe do departamento encarregado dos descontos. Esta prática levanta interrogantes sobre a ética e a legalidade das operações dentro do órgão, uma vez que, conforme aponta um relatório da CGU, há indícios da criação de termos de descontos ilícitos, que estariam sendo utilizados de maneira irregular por associações.
A operação que facilitou esses “desbloqueios em lote” estava diretamente ligada a uma solicitação feita pela Contag, uma das organizações sob investigação pela PF. A associação tinha demandado o desbloqueio de 35 mil aposentadorias, alegando uma demanda reprimida. Entretanto, uma análise cuidadosa revelou que, na verdade, somente 213 associados esperavam ansiosamente pelo desbloqueio no momento em que o inss divulgou uma nota técnica justificada para a liberação de quase 34,5 mil benefícios, correspondendo à quase totalidade do pedido.
A alegação de que havia uma demora injustificada para o desbloqueio foi contestada pela auditoria interna do inss, que destacou um “histórico de fraudes” nos descontos mensais, indicando a “impossibilidade de atendimento do pleito” ineficaz, já vislumbrada em abril de 2023. Em junho do mesmo ano, os altos dirigentes do inss propuseram uma solução em uma reunião com o controlador-geral de Pagamentos e Benefícios, Jucimar da Silva, que era o responsável direto pelos descontos, juntamente com um representante da Contag. O que se seguiu foram meses de espera até que o desbloqueio em massa fosse finalmente implementado.
Outro ponto alarmante é a forma como as solicitações para contribuições com as entidades passaram a ser feitas. Em vez de serem processadas individualmente pelos representantes das associações, os pedidos começaram a ser agrupados em grandes pastas compactadas, com múltiplas solicitações. Essa mudança de procedimento levantou suspeitas e gerou um alerta sobre a eficácia e segurança dos dados.
As investigações da CGU revelaram que a contribuição de dois aposentados foi registrada no mesmo dia, porém, por entidades diferentes, levantando bandeiras vermelhas sobre a administração dos dados no inss. Por exemplo, Maria Aparecida de Fatima Argemiro Barro fez uma solicitação de desconto por duas organizações distintas, AAPB e Clube AZ, enquanto Raimundo Ribeiro de Alencar fez o mesmo por Aapen e AASPA. Curiosamente, ambos os casos apresentaram erros na grafia dos nomes, sugerindo falhas sistemáticas na entrada de dados.
Esses desdobramentos acentuam a necessidade de uma revisão rigorosa e abrangente das práticas de controle interno do inss e ressaltam a importância de salvaguardas que possam proteger os direitos dos aposentados contra fraudes, assegurando que as ações de desbloqueio sejam realizadas de forma correta e transparente. Medidas adequadas devem ser implementadas para restaurar a confiança dos aposentados no sistema, além de responsabilizar os envolvidos em práticas ilícitas.