Denúncia de Monopólio e Falta de Autonomia
Lideranças de sete associações que representam o povo Yanomami formalizaram uma denúncia contra a Voare Táxi Aéreo, que operaria sob um suposto monopólio no âmbito do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY). O documento, enviado ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e obtido pela coluna, destaca que a empresa está sob a direção da deputada federal Helena da Asatur (MDB-RR) e de seu esposo, Renildo Evangelista Lima, que foram recentemente alvos de uma operação da Polícia Federal (PF) devido a investigações sobre crimes eleitorais em Roraima. Os representantes indígenas alegam que a Voare exerce práticas abusivas, como a imposição de multas ao DSEI-YY por atrasos nos pagamentos relacionados à Lei Orçamentária Anual (LOA).
De acordo com a coluna de Paulo Cappelli, publicada no Metrópoles, a empresa da deputada já recebeu R$ 271 milhões em 17 contratos firmados desde o início do mandato de Lula. Destes, R$ 96 milhões foram oriundos de acordos realizados sem licitação, representando cerca de 35,4% do total. Nas redes sociais, Helena da Asatur demonstra proximidade com membros do governo federal, incluindo ministros como Alexandre Padilha, que atua no ministério responsável pela gestão da crise enfrentada pela população Yanomami.
Críticas à Gestão e Falta de Informação
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Os líderes Yanomami ressaltaram que a coordenação do DSEI-YY tem sido excluída de processos decisórios, especialmente relacionados à contratação de profissionais pela Agência Brasileira de Apoio à Gestão do Sistema Único de Saúde (AgSUS). Isso, segundo eles, resulta na perda de autonomia para as gestões locais, já que a pré-seleção dos profissionais é feita em Brasília, enquanto a administração em Boa Vista apenas recebe uma lista prévia de nomes para entrevistas. “Observa-se a falta de autonomia administrativa e gerencial do DSEI-YY, que se vê impossibilitado de efetuar contratações para cargos de confiança, essenciais para a implementação de uma política de saúde que seja efetiva e culturalmente adequada”, afirmam na carta.
O ministério, por sua vez, rebate essas objeções, afirmando que a coordenação do DSEI-YY participa ativamente das decisões de seleção de trabalhadores. Em nota, o Ministério da Saúde esclareceu que o processo atual atende às diretrizes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Tribunal de Contas da União (TCU), e que os editais foram elaborados em parceria com os líderes locais e com o controle social (Condisi), garantindo autonomia na definição dos critérios de seleção.
Precariedade dos Serviços de Saúde e Falta de Formação
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As lideranças indígenas também expressaram preocupação com a escassez de dados sobre saúde referentes à Terra Indígena (TI) Yanomami, especialmente em relação à contratação de funcionários e Agentes Indígenas de Saúde (AISS), além das avaliações de desempenho dos profissionais. “Não temos informações sobre como estão sendo realizadas essas avaliações, com que frequência e critérios. Esta falta de transparência compromete nossa capacidade de supervisionar a qualidade dos serviços fornecidos, resultando numa gestão do DSEI-YY que se mostra não apenas ineficaz, mas também refém de uma lógica de invisibilidade institucional que contradiz o objetivo de descentralização da política pública de saúde indígena”, aponta o documento.
A carência de informações se estende também ao centro de saúde em Surucucu, localizado em Alto Alegre (RR). O projeto, que conta com o apoio da Central Única das Favelas (Cufa) e da Frente Nacional Antirracista, ainda está em andamento, com previsão de entrega para setembro. As lideranças também criticaram o estado de abandono das obras da Casa de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana em Boa Vista (CASAI-YY), mencionando a falta de clareza sobre os serviços que serão oferecidos, prazos de inauguração e recebimento de insumos hospitalares.
Falta de Implementação do Manual de Atendimento ao Mercúrio
Outro ponto destacado é a não implementação do Manual de Atendimento aos Indígenas Expostos ao Mercúrio, elaborado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em conjunto com os ministérios dos Povos Indígenas e da Saúde. Esse manual é crucial para orientar tratamentos e vigilâncias diante do sério cenário de contaminação na TI Yanomami, mas, conforme a carta, continua sem a devida operacionalização, e os profissionais que atuam no campo não receberam a orientação necessária.
“É fundamental destacar que os recursos emergenciais designados para a crise humanitária na TI Yanomami já estão esgotados, sem que qualquer solução sustentável tenha sido estabelecida para o atendimento à saúde. Diante dessa desorganização e negligência, é urgente que se promova reformulações no DSEI-YY, restabelecendo o modelo de gestão descentralizada que foi bem-sucedido em experiências anteriores como a Saúde Urihi e outras conveniadas”, concluem os líderes na carta.
A correspondência é assinada por presidentes de várias associações, incluindo Hutukara Associação Yanomami e a Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma, entre outras. O Ministério da Saúde, por sua parte, declarou estado de emergência na região Yanomami em 2023 devido à crise alimentar e ao aumento de casos de desnutrição, malária e Covid entre a população indígena. Uma força-tarefa ministerial, envolvendo diversas pastas, foi designada para atuar na região, buscando reverter a grave situação enfrentada pelos Yanomami.