O Refúgio Subterrâneo
Em meio ao caos urbano de São Paulo, muitos não têm ideia de que, a cerca de 20 metros abaixo da Estação Pedro 2º, existe uma plataforma que nunca recebeu um trem. Conhecida como uma estação fantasma, essa estrutura, resultado de um projeto de expansão do metrô que não saiu do papel, agora abriga temporariamente pessoas em situação de rua durante as noites frias. Criada na década de 1970, a plataforma foi construída com a expectativa de que uma nova linha – hoje relacionada à Linha 4-Amarela – se estenderia da região de Pinheiros até o Ipiranga, realizando uma conexão com a Linha Vermelha no subsolo da estação.
Contudo, o crescimento urbano tomou um rumo diferente e a linha nunca foi implementada. “Essa plataforma foi feita já pensando numa linha futura. A engenharia da época deixou tudo pronto no subsolo para que não fosse preciso demolir a estação, caso o traçado fosse implantado”, afirma João Carlos Santos, arquiteto e gerente de projetos do metrô. “Se ela tivesse sido construída, estaríamos aqui esperando o trem agora.” Apesar de estar desprovida de trilhos, a plataforma não ficou vazia. Desde 2022, a estrutura transformou-se em abrigo emergencial e oferece condições essenciais para cerca de 150 pessoas durante as noites mais frias.
Assistência e Acolhimento
O abrigo improvisado fornece camas, mantas e alimentação, além de um espaço especial para animais de estimação, algo raro em outros abrigos. “Recebemos homens, mulheres, famílias inteiras, incluindo bebês e animais de estimação”, compartilha o capitão Eduardo Schulte, diretor de recuperação da Defesa Civil. “Muitos optam por enfrentar o frio nas ruas em vez de se separarem de seus pets, que não são aceitos em outros lugares.” Entre os frequentadores do abrigo, está Paulo Francisco de Oliveira, que encontrou ali um ambiente mais seguro para ele e sua companheira, junto à sua cadelinha de meses. “Nos albergues é tão pior que na rua, você pode ser roubado. Aqui me sinto mais tranquilo”, desabafa.
Embora o abrigo traga um alívio temporário, ele não elimina o sofrimento da vida na rua. Paulo reconhece que, mesmo em um lugar mais seguro, ainda é difícil relaxar. “O sono é curto, de uma a uma hora e meia. A força do hábito é complicada.”
A Atração do Desconhecido
Embora a ideia de uma rede de túneis inacabados possa parecer materializada de um romance de ficção, no contexto de São Paulo, isso é resultado de um planejamento metropolitano que não se concretizou como esperado. Atualmente, a cidade conta com cerca de 104 quilômetros de linhas de metrô, um número inferior ao inicialmente planejado há cinco décadas. O traçado das linhas Azul, Vermelha e Verde foi reavaliado e ajustado ao longo dos anos, resultando em bifurcações e ramais que nunca se concretizaram, como o “Ramal Moema”, que deveria ligar as estações Paraíso e Ana Rosa.
Na Estação São Bento, outra mais de suas características subterrâneas impressiona, onde túneis com até 32 metros de profundidade, isolados por paredes de “diafragma”, ajudam a conter a colina histórica do centro da cidade, mantendo a estação estável e seca. “Essas paredes sustentam toda a carga do entorno e funcionam como drenagem do lençol freático”, explica José Luís de Carvalho, supervisor de manutenção. “Além disso, evitam infiltrações que poderiam prejudicar a estrutura da estação.”
Um Novo Olhar para o Subterrâneo
Além da plataforma da Pedro 2º, existem outras estruturas pouco conhecidas em toda a cidade. Algumas funcionam como áreas técnicas, enquanto outras permanecem interditadas ao público. Com o passar do tempo, essas construções ganharam notoriedade entre os exploradores urbanos, atraindo curiosos e alimentando lendas urbanas. Para os engenheiros do metrô, estas são apenas reminiscências de um planejamento ambicioso que teve que se moldar às realidades urbanas. “Antigamente, havia uma preocupação em antecipar o crescimento da cidade e deixar tudo pronto para o futuro”, comenta João Carlos Santos. “A cidade evoluiu, os estudos foram revistos, e as necessidades mudaram. Contudo, o que ficou pode ser reaproveitado.”
É isso que está acontecendo. Estruturas pensadas para abrigar trens agora são refúgios, enquanto túneis não utilizados garantem a estabilidade das estações. Plataformas inacabadas se tornam prova de que é possível encontrar uma nova função, abrigo e esperança mesmo nas camadas mais profundas e esquecidas de São Paulo.