Despertar em Meio à Escuridão

A cada novo dia, Rosa Chamami é uma das primeiras a se levantar antes do amanhecer. O que ilumina sua rotina matinal não são lâmpadas elétricas, mas as chamas de um fogão a lenha improvisado em seu quintal, onde ela utiliza restos de papelão como combustível. Curiosamente, esses pedaços de papelão são estampados com a identificação de ‘Risen — Tecnologia Solar’, oriundos das caixas que transportaram os 800 mil painéis solares instalados nas usinas fotovoltaicas de Rubí e Clemesí, localizadas na região de Moquegua, Peru, a mais de 1.100 quilômetros ao sul de Lima.

Essas usinas representam o maior complexo solar do Peru e um dos maiores da América Latina, mas, ironicamente, o povoado de Pampa Clemesí, com cerca de 150 habitantes, ainda enfrenta a realidade de viver sem eletricidade. Chamami, que pode observar a usina de Rubí a apenas 600 metros de sua casa, afirma: ‘Preciso cozinhar de madrugada porque, à noite, é muito escuro e não consigo ver nada.’ Assim, enquanto a usina brilha com suas lâmpadas brancas, a escuridão reina no quintal de Rosa.

A Busca por Energia

Os moradores de Pampa Clemesí se veem em uma situação paradoxal: cercados por uma das maiores fontes de energia renovável da região e ainda dependentes de lanternas para realizar suas atividades noturnas. Alguns residentes possuem painéis solares doados pela empresa Orygen, mas muitos não têm recursos para a instalação adequada com bateria e conversor. ‘Quem dera que a usina nos ajudasse com a luz’, lamenta Rosa, que não é a única a clamar por mais apoio desde a instalação dos painéis no início dos anos 2000.

Pedro Chará, um dos vizinhos de Rosa, recorda o tempo em que a usina estava em construção. ‘Algumas vezes, depois de esperar por tanto tempo, lutando pela água e pela luz, a única coisa que tenho vontade é de morrer’, desabafa ele. A Orygen, por sua vez, se comprometeu em ajudar a levar eletricidade ao povoado. Marco Fragale, diretor-executivo da empresa no Peru, anunciou que um projeto de eletrificação está em andamento, com a instalação de 53 torres de energia já concluídas. Contudo, a falta de progresso na extensão da rede elétrica de aproximadamente 2 km até o povoado tem frustrado os moradores.

Uma Luz no Fim do Túnel?

O projeto de eletrificação, que exigiu um investimento de cerca de US$ 800 mil, aguarda a finalização por parte do Ministério de Minas e Energia do Peru para fornecer luz a cada uma das casas da comunidade. A situação é preocupante; as obras que deveriam ter sido iniciadas em março não apresentaram avanços até o momento, e os moradores se sentem abandonados em meio ao deserto. A Orygen já instalou os postes de energia, mas a luz ainda não chegou.

A região de Moquegua, onde Pampa Clemesí se encontra, é uma das áreas com maior radiação solar do mundo, recebendo cerca de 2.600 horas de sol por ano. A usina de Rubí produz 440 GWh, suficiente para abastecer 351 mil residências, mas não é capaz de iluminar um pequeno assentamento humano como Pampa Clemesí.

A Vida Sem Luz

Os desafios enfrentados pelos moradores vão além da falta de eletricidade. Rosa vive em uma casa improvisada, sem tomadas, e sua primeira tarefa do dia é buscar carregar seu celular em casas vizinhas que possuem energia solar. ‘O telefone é fundamental’, afirma ela, ressaltando a importância da comunicação com seus parentes. Em um dos lares que visitam, Rubén Pongo, um dos poucos que tem um painel solar em funcionamento, comenta: ‘Aqui, a energia não é estável; às vezes, só consigo acender as luzes externas’.

A situação é ainda mais complicada devido à falta de refrigeração para os alimentos, que precisam ser consumidos rapidamente. Uma viagem de 40 minutos até Moquegua é necessária para conseguir comprar víveres frescos, mas muitos não têm condições financeiras para isso. Assim, os moradores vivem com o que podem armazenar temporariamente.

Um Futuro Promissor?

O peruano Carlos Gordillo, especialista em energia, aponta que a cobertura elétrica no país aumentou de 65% em 2017 para 86% em 2023, mas ainda está aquém dos padrões ideais. ‘Enquanto o governo afirma que nos próximos anos alcançará 96% nas áreas rurais, a realidade é que muitos ainda enfrentam dificuldades’, observa. A situação em Pampa Clemesí ilustra um paradoxo de desenvolvimento, onde a abundância de recursos naturais não se traduz em benefícios diretos para a população local.

Enquanto Rosa e seus vizinhos aguardam promessas que parecem distantes, a luta continua. ‘Se ao menos houvesse eletricidade, muitos retornariam’, conclui Pedro Chará, evidenciando a esperança de um futuro melhor. Por enquanto, ao cair da noite, são apenas as estrelas que iluminam o povoado, enquanto os moradores se reúnem em torno de lanternas, tentando encontrar calor e luz em meio à escuridão que os cerca.

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