O clima seco e as queimadas que afetam diversas regiões do brasil estão prestes a impactar negativamente a produção de alimentos essenciais, como carne bovina, cana-de-açúcar e variadas frutas. Essa situação deve resultar em uma alta da inflação alimentícia medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que pode entrar no terreno positivo já em setembro, revertendo as quedas observadas em julho e agosto. Esse quadro atual contrasta com as tendências dos últimos dois anos, quando a inflação dos alimentos no domicílio registrou deflação em setembro — com índices de -1,02% em 2023 e -0,86% em 2022. A última alta significativa registrada nesse período foi uma variação de 1,19% em 2021, um aumento que ocorreu em um ambiente de preços elevados, amplamente influenciado pela pandemia de COVID-19.

A pressão na oferta de produtos alimentícios, pautada pelo clima seco, é complementada pelos efeitos da mudança na bandeira tarifária da energia elétrica, que já levou o mercado a revisar suas projeções para a inflação do mês de setembro para cima. O economista da LCA Consultores especializado em inflação, Fabio Romão, projeta uma alta de 0,17% para a alimentação na medição do IPCA de setembro. Embora essa variação seja considerada modesta, destaca-se que contrasta com a queda esperada de 1,10% para a variação do IPCA de agosto, que será divulgada em breve. Além disso, a expectativa em relação ao padrão sazonal para a alimentação no domicílio durante os meses de setembro dos últimos dez anos mostra que a mediana dessa variação é uma queda de 0,33%, o que torna a previsão atual uma anomalia em comparação com esse histórico.

Segundo Romão, entre os principais alimentos que devem apresentar aumentos de preços estão frutas, laticínios, café, bebidas não alcoólicas e feijão. Ele menciona que a produção de cana-de-açúcar também pode ser gravemente afetada pela seca e pelas queimadas, especialmente em São Paulo, embora o impacto no IPCA se faça sentir mais para frente. Romão observa que, devido ao ciclo da safra, os efeitos decorrentes dos problemas climáticos atuais provavelmente se manifestarão no início de 2025. Além disso, Romão espera uma alta média de 5,6% para a alimentação no domicílio ao longo de 2024, após uma diminuição de 0,52% no acumulado de 2023, uma previsão que começou em torno de 4,5%, mas que foi ajustada conforme os efeitos do clima seco foram se tornando mais evidentes.

A pressão sobre o setor alimentício, conforme ressaltado por Romão, também tem contribuído para uma revisão de alta nas projeções do IPCA geral, que passaram de 4,2% há dois meses para 4,4% atualmente. Nesse contexto, a Warren Investimentos ressalta a expectativa de que a alimentação no domicílio retorne a apresentar variação positiva entre os índices de agosto e setembro, movendo-se de -0,95% para 0,05%. A economista Andréa Ângelo, especialista em inflação, aponta que a condição climática adversa tende a impactar a oferta de itens in natura, com a carne bovina sendo um dos principais produtos afetados. Andréa explica que a combinação de um “super abate” no primeiro semestre e a deterioração das pastagens devido à seca resultam em um ciclo mais lento de engorda do gado, reduzindo assim a oferta de bois para abate.

Os desafios enfrentados pela produção de cana-de-açúcar também são notáveis, com as queimadas levando à priorização da produção de etanol em detrimento do açúcar, o que por sua vez influencia nos preços de ambos os produtos. Com isso, espera-se um aumento nos preços do açúcar, enquanto os preços do etanol podem apresentar uma queda, o que, no curto prazo, pode ter um efeito equilibrado sobre o IPCA. Além disso, a Warren projeta um impacto adicional de alta de 0,07 ponto percentual na taxa de inflação da casa para 2024, que atualmente se mantém em 4,5%. Para a alimentação no domicílio, a estimativa é de um aumento de 5,94%.

Por outro lado, o economista da Quantitas, João Fernandes, alerta que os efeitos das queimadas e da estiagem sobre a inflação dos alimentos ainda são incertos. Ele menciona que produtos como café e açúcar já estão sentindo um impacto significativo em seus preços, e ressalta a importância de monitorar os efeitos sobre o preço do boi gordo, que já subiu cerca de 6% desde agosto. Fernandes acredita que, caso os riscos associados se concretizem, a maior parte do impacto no IPCA de setembro será predominantemente refletido pela carne bovina, que tem um peso significativo na composição do índice. Ele estima que a alimentação no domicílio poderá avançar 0,44% em setembro, após a queda de 1,51% em julho e uma nova retração em agosto. Por fim, a projeção de Fernandes para a inflação da alimentação no domicílio para este ano é de 5%, enquanto para o IPCA geral a previsão é de crescer 4,2% em 2024, apesar da recente pressão inflacionária já considerada nas projeções.

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