Reconhecimento Tardio de um Talento Perdido
O Brasil emitiu a certidão de óbito do pianista Francisco Tenório Cerqueira Júnior, que desapareceu em 1976, às vésperas do golpe militar na Argentina. O documento foi expedido pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos após um pedido formal e representa um passo importante na busca por justiça para as vítimas de repressão durante a ditadura. O corpo de Tenório Jr. foi identificado apenas em setembro deste ano, quase 50 anos após seu sumiço, através de exames de impressões digitais, contando com a colaboração da Justiça argentina e da Embaixada do Brasil.
Tenório Jr., um ícone do samba-jazz e da bossa nova, desapareceu em março de 1976, em meio a um clima de intensa repressão política na América do Sul, mais especificamente durante a Operação Condor, uma ação coordenada entre ditaduras da região. A confirmação da causa de sua morte também chegou em setembro, revelando que ele foi executado com cinco tiros: um na cabeça, dois no braço esquerdo e três no tronco. Essa revelação traz à tona a brutalidade que cercou o desaparecimento de muitos artistas e intelectuais da época.
Um Ícone da Música Brasileira
Natural do Rio de Janeiro, Tenório Jr. nasceu em 4 de julho de 1940, no bairro das Laranjeiras. Desde muito jovem, começou a se aclimatar ao universo musical, inicialmente tocando acordeão e violão, até se firmar como virtuoso do piano — instrumento que o tornaria um respeitado nome na cena musical brasileira. Durante a década de 1970, ele se tornou uma figura central no Beco das Garrafas, em Copacabana, um local icônico para a música instrumental no país. Sua habilidade técnica e estilo sofisticado lhe garantiram presença em festivais, turnês e gravações que se tornaram memoráveis.
Além de se destacar como solista, Tenório Jr. colaborou com importantes nomes da música brasileira, como Vinicius de Moraes, Toquinho, Wanda Sá, Leny Andrade e Edson Machado. Seu talento como acompanhante em shows e gravações foi fundamental para a consolidação da bossa nova e do samba-jazz, estilos que ganharam notoriedade tanto no Brasil quanto no exterior.
A Trágica História de Desaparecimento
No mês de março de 1976, Tenório Jr. estava em turnê pela Argentina e Uruguai, acompanhado por outros artistas renomados, incluindo Vinicius de Moraes e Toquinho. Após uma apresentação no Teatro Gran Rex, em Buenos Aires, ele saiu do hotel Normandie e não foi mais visto. Investigações posteriores indicaram que o músico foi confundido com um militante político e detido por agentes do serviço secreto da Marinha argentina. Estima-se que ele foi levado para a Escola de Mecânica da Armada (ESMA), um centro clandestino de detenção e tortura, onde foi mantido por nove dias antes de ser executado.
O corpo de Tenório Jr. foi encontrado em um terreno baldio no dia 20 de março de 1976 e enterrado como indigente no Cemitério de Benavídez. Na época, seu desaparecimento não obteve a devida atenção pública no Brasil, em grande parte devido à censura rigorosa imposta pela ditadura militar que governava o país. Esta história, marcada pela tragédia e pelo talento inigualável de um artista, agora se readquire visibilidade com a expedição da certidão de óbito, que busca trazer um pouco de justiça e reconhecimento à memória de Francisco Tenório Cerqueira Júnior.
