Gabriel, 16 anos, sentia uma crescente compulsão por apostar no Jogo do Tigrinho. “Quando eu perdia, parecia que a única solução era jogar novamente para tentar recuperar o que tinha perdido. Essa mentalidade não é saudável; você acaba se viciando”, revela ele. Apesar de ganhar R$ 50 diariamente em seu trabalho como descarregador de caminhão, Gabriel recorda com tristeza de como perdeu R$ 400 em uma única hora – uma quantia que representa o trabalho de oito dias. Recentemente, decidiu abandonar o jogo e, além de se sentir arrependido pelo tempo que dedicou a essa atividade, não recomenda a ninguém que comece a jogar.
Embora proibido no brasil, o Jogo do Tigrinho, também conhecido como Fortune Tiger, tem se proliferado em diversos sites e aplicativos de apostas, ganhando destaque nas redes sociais. O professor de informática João Paulo Freitas de oliveira, do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), observa a crescente participação de crianças e adolescentes nesse mundo, notando que até os mais jovens têm se envolvido com esses jogos. Segundo ele: “É alarmante que, mesmo os alunos mais novos, já estejam jogando.”
De acordo com um estudo da Unicef, 22% dos adolescentes entrevistados afirmam ter apostado em jogos de azar pela primeira vez aos 11 anos ou menos; a maioria começou com 12 anos ou mais, totalizando 78%. Esse dado reflete um cenário preocupante sobre a precoce exposição das crianças ao jogo.
No mês de junho, o programa Criança e Consumo, iniciativa do Instituto Alana, fez uma denúncia ao Ministério Público do Estado de São Paulo ao identificar perfis de jovens influenciadores, com idades entre 6 e 17 anos, promovendo sites de apostas. Os influenciadores disponibilizavam links de acesso que podem levar crianças e adolescentes a esses jogos de azar. Marcelo Lau, coordenador do MBA em Cibersegurança da Faculdade de Informática e Administração Paulista (FIAP), afirma que é desafiador responsabilizar os envolvidos, uma vez que “a maioria das plataformas que oferecem esses serviços não têm representação no brasil.”
Ainda que o Jogo do Tigrinho tenha ganhado popularidade entre os estudantes, Gabriel menciona que nunca jogou na escola, preferindo se isolar para jogar em ambientes silenciosos. Entretanto, sua realidade contrasta com a de um colega do 1º ano do ensino médio, que já havia perdido mais de R$ 1.000 em apenas quinzena. “Ao perguntar sobre a supervisão dos pais, ele revelou que a mãe também apostava mais do que ele. A reitoria foi acionada e um plano de ação será desenvolvido.”
Preocupantemente, até mesmo crianças em escolas que proíbem o uso do celular têm contato com jogos de aposta. Felipe, de 11 anos, se deparou com o Tigrinho durante um curso de inglês, onde um colega de 14 anos jogava no celular. “Já tinha visto propagandas e ouvido rumores sobre o jogo, mas não fiquei curioso, pois não gosto desse tipo de aposta”, explica. No entanto, a preocupação de oliveira se concentra nos estudantes beneficiados pelo programa Pé-de-meia, que visa incentivar a frequência no ensino médio entre alunos de famílias de baixa renda. Ele observa que alguns começam a usar o dinheiro da bolsa para apostas online, algo extremamente preocupante.
O Pé-de-meia oferece uma bolsa de R$ 200 para alunos que comprovem matrícula e frequência escolar. Ao final de três anos, os estudantes têm a opção de retirar uma quantia investida em poupança a cada ano. O Ministério da Educação afirmou, em resposta a esta situação, que não existem restrições na legislação do programa quanto ao uso do dinheiro recebido pelos beneficiários. Entretanto, o ministério enfatiza que está trabalhando em conjunto com as redes de ensino para promover a educação financeira, destacando a importância de desenvolver a autonomia dos jovens e a conscientização sobre o uso responsável do dinheiro.
No Mato Grosso, o professor Gilmar Soares Ferreira aponta que o acesso aos jogos de aposta nas escolas está fora de controle, apesar da legislação estadual que proíbe o uso de celulares em sala de aula. Ele relata que o governo forneceu computadores para instituições de ensino, mas a maioria dos estudantes continua usando seus celulares. “Controlar o uso do celular é uma tarefa árdua. As escolas estão tentando estabelecer normas, mas a implementação é quase impossível.” Adicionalmente, Ferreira menciona que alunos encontram formas de contornar as restrições nos computadores fornecidos para baixar jogos de apostas.
A Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso esclarece que os Chromebooks distribuídos às escolas possuem bloqueios para impedir o acesso a jogos de azar, além de outras medidas de segurança que são implementadas pelas gestões escolares. Para Ferreira, a noção de ganhar dinheiro fácil que emana desses caça-níqueis tem um efeito prejudicial nos estudos dos alunos. “Um adolescente que aprende que pode ganhar dinheiro facilmente pode achar que estudar não é necessário, o que complica a recuperação do aprendizado. Já ouvi estudantes afirmarem que ganham R$ 400 por dia nesse jogo, o que é alarmante.”
Neste contexto, a discussão sobre o papel da escola é essencial. Para o psicólogo Rodrigo Nejm, consultor em educação digital no Instituto Alana, o uso do celular por estudantes dentro da escola não deve ser apenas proibido. Segundo ele, é crucial envolver alunos, educadores e familiares na reorganização da rotina digital. “É fundamental oferecer educação digital e abordar o design manipulativo dos aplicativos que muitas vezes exercem forte influência sobre os jovens”, sugere.
Por sua vez, a psicóloga Bianca Orrico, que atua na SaferNet brasil, uma ONG voltada para a promoção dos direitos humanos na internet, reforça a necessidade de uma abordagem mais compreensiva diante da exposição precoce das crianças à tecnologia. “As escolas devem entender que as crianças não são nativos digitais. Exposição não garante que elas saibam navegar com segurança por esse espaço”, afirma Bianca. Para ajudar as instituições a promover um uso crítico e responsável da tecnologia, a SaferNet brasil implementou um programa de cidadania digital que já impactou milhares de estudantes e professores em diversas escolas.
Na Paraíba, João Paulo Freitas de oliveira reafirma a importância de oferecer suporte e acolhimento para os jovens. Ele acredita que é fundamental trazer à tona a problemática dos jogos de azar, enfatizando a necessidade de uma regulamentação adequada para quem enfrenta vícios em jogos. “Precisamos de campanhas que ressaltem que os jogos de azar são um problema sério”, conclui.
Em casa, a psicóloga Bianca Orrico sugere algumas práticas que pais e cuidadores devem seguir para abordar o assunto com as crianças e adolescentes. Um ponto essencial é ouvir as experiências dos jovens sobre os jogos e criar um ambiente de diálogo aberto, livre de punições, para garantir a confiança e a comunicação. É importante discutir o caráter viciante dos jogos e ajudar os jovens a entender a importância do equilíbrio, comparando o vício a atividades que se tornam compulsivas.
Ainda, os adultos devem ser críticos em relação às influências que os jovens recebem de pessoas que seguem nas redes sociais e destacar que essa prática de apostamento não é saudável. Explicar que ações na internet podem ter consequências reais, inclusive financeiras, é essencial para aumentar a conscientização.
Por fim, o envolvimento de adultos é fundamental para coibir o vício em jogos. O psiquiatra Elton Kanomata ressalta que o diálogo e a supervisão são essenciais para limitar o acesso a aplicativos de apostas. Simulações práticas, como o uso da mesada, podem ensinar os jovens sobre as inseguranças financeiras que podem surgir do uso inadequado do dinheiro, impactando negativamente seu bem-estar emocional.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) também expressa preocupações sobre os riscos associados aos jogos e apostas online, alertando que essas práticas podem resultar em transtornos compulsivos e comportamentos aditivos, especialmente entre crianças e adolescentes, afetando sua vida adulta.