A discussão sobre o candidato a prefeito de são paulo, Pablo Marçal, revela um cenário complexo nas conversas nas periferias, conforme aponta o sociólogo Tadeu Kaçula. De acordo com Kaçula, que é mestre e doutorando em Mudança Social e Participação Política pela USP e atua como coordenador executivo da Universidade Livre Afro-brasileira, a esquerda não tem se engajado efetivamente na construção de uma narrativa crítica e coesa. Esse cenário desafiante se agrava pela falta de organizações de base ativas nas comunidades periféricas, o que resulta em diretórios municipais enfraquecidos e incapazes de oferecer uma liderança forte que articule uma mensagem política convincente e alinhada com as demandas locais.
Kaçula destaca que houve uma significativa perda da agenda de formação política progressista nas favelas e bairros periféricos, um fenômeno que abriu caminho para a ascensão de ideologias da direita nessas áreas. Ele observa que a influência da direita tem atingido setores culturais e artísticos, especialmente aqueles ligados ao samba, funk e slam, que são expressões vitais da identidade periférica e desempenham um papel crucial na organização social dessas comunidades.
Essas manifestações culturais são fundamentais para a mobilização social e, como Kaçula ressalta, é crucial que artistas como sambistas, funkeiros, slamers e rappers estejam cientes da importância de não conceder espaço para agendas políticas de direita e extrema-direita. Ele argumenta que essas comunidades, que sempre foram pilares de resistência e expressão cultural, precisam alinhar suas vozes e ações em defesa de uma agenda política inclusiva e que não marginalize a periferia.
Apesar de sua análise crítica, Kaçula adverte que não se pode afirmar que o movimento do funk apoie diretamente candidaturas de direita. Ele aponta que artistas desse cenário estão cientes das repercussões que tais candidaturas podem ter sobre políticas públicas, especialmente em relação à segurança, que frequentemente se torna um instrumento de perseguição contra os jovens das periferias que promovem a cultura do funk.
Kaçula possui uma forte ligação com o universo do samba, tendo publicado diversas obras sobre o assunto. Em sua visão, as escolas de samba e as rodas de samba se destacam como espaços democráticos exemplares no Brasil, refletindo um modelo social que poderia ser seguido em outras áreas. Ele destaca que, nesses ambientes, há uma diversidade de pensamentos, incluindo tanto a direita quanto a esquerda, o que reforça a necessidade de um entendimento mais profundo do que esses espaços representam na sociedade.
O samba, historicamente associado à resistência e à crítica social, assim como o funk e o rap — movimentos mais novos, mas igualmente impactantes — constituem vozes robustas contra as desigualdades e injustiças vividas nas comunidades. Kaçula sublinha que, embora as pessoas frequentemente frequentem esses ambientes, nem sempre compreendem totalmente o significado e a importância de sua histórica luta.
Ele explica que, mesmo dentro de uma escola de samba, um presidente pode manifestar apoio a um candidato de direita sem que isso signifique que todos os integrantes daquela agremiação compartilhem da mesma posição política. As estratégias de campanha de alguns candidatos frequentemente tentam interpretar falsamente essa situação como um consenso geral, mas na realidade, há uma diversidade de opiniões dentro do movimento.
Dentro desse contexto, Kaçula reafirma que não se pode generalizar o alinhamento político das diversas manifestações culturais que compõem o cenário samba de são paulo. As sambistas independentes, as comunidades de samba, as velhas guardas e outros segmentos que formam a essência das escolas de samba estão longe de serem homogeneamente alinhados à extrema-direita. Ao contrário, ele enfatiza que há um número significativo de indivíduos com uma consciência política crítica, que estão imbuídos de uma rica tradição de luta e resistência.
Ao aprofundar-se na articulação entre cultura e política nas periferias, fica evidente que as vozes da resistência, ancoradas em expressões artísticas, têm um papel essencial na formação de um futuro mais inclusivo e justo. É imperativo que essas comunidades se unam e fortaleçam suas narrativas políticas, particularmente na fase pré-eleitoral, para garantir que seus interesses e necessidades sejam representados de forma adequada e responsável.