A Morte de Anas al-Sharif

“Se você está lendo isso, significa que Israel silenciou minha voz e me matou.” Essas são as palavras finais do jornalista palestino Anas al-Sharif, publicado no domingo (10/08) como uma mensagem deixada para seus seguidores. Al-Sharif, que tinha 28 anos, reportava diretamente da Faixa de Gaza para a Al Jazeera e expressou suas crenças, sua conexão com a Palestina e sua família em uma postagem que deveria ser divulgada apenas em caso de sua morte. Infelizmente, essa previsão se concretizou quando ele foi morto em um bombardeio israelense, junto com outros quatro colegas da mesma emissora. A Al Jazeera classificou o ataque como um “assassinato seletivo” e um “ataque deliberado à liberdade de imprensa”.

A Resposta de Israel

Curiosamente, é raro que Israel confirme um ataque letal contra jornalistas. No entanto, as Forças de Defesa de Israel (FDI) identificaram Anas al-Sharif como um “terrorista se passando por jornalista da Al Jazeera”. Os militares alegaram que ele era o líder de uma célula terrorista do Hamas e que havia participado de ataques com foguetes contra civis. Para sustentar essa afirmação, Israel apresentou documentos que, segundo eles, eram internos da organização terrorista. Essa narrativa foi promovida em diversas ocasiões nos últimos meses.

A respeito do trabalho de al-Sharif, um relatório da BBC revelou que ele havia colaborado brevemente com uma equipe de mídia ligada ao Hamas antes do atual conflito, além de ter feito críticas à mão dura do grupo em postagens nas redes sociais.

A Reação da Comunidade Internacional

Organizações e instituições internacionais não hesitaram em criticar as ações de Israel. O Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) afirmou que o ataque à tenda onde os jornalistas estavam é uma violação grave do direito internacional. O governo alemão também exigiu esclarecimentos claros sobre o ocorrido.

A relatora especial da ONU para a liberdade de expressão, Irene Khan, expressou sua preocupação com as ameaças ao jornalista, ressaltando que ele era o último repórter da Al Jazeera no norte de Gaza ainda vivo. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) denunciou uma “campanha de difamação” por parte das forças israelenses, citando as palavras de al-Sharif que afirmava viver com a constante sensação de que poderia ser bombardeado a qualquer momento.

A diretora regional do CPJ, Sara Qudah, afirmou que a representação de jornalistas como militantes, sem provas concretas, levanta sérias questões sobre a liberdade de imprensa em Israel. Até agora, a organização contabilizou 186 jornalistas mortos desde o início da guerra em Gaza.

A Questão do Acesso à Informação

Desde o inicio da guerra, Israel tem restringido severamente o acesso de jornalistas internacionais à Faixa de Gaza. Com a destruição em larga escala da região, o governo anunciou sua intenção de capturar totalmente a Cidade de Gaza, identificando o Hamas como seu principal alvo.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu alegou que o objetivo da guerra é a erradicação do Hamas, que, em 7 de outubro de 2023, realizou um ataque sem precedentes, resultando na morte de cerca de 1.200 israelenses. No contexto desse conflito, as Nações Unidas emitiram alertas sobre a iminente fome que afeta toda a população de Gaza, enquanto o governo israelense enfrenta acusações de genocídio, sendo este um tema de investigação pela Corte Internacional de Justiça.

Apelos por Liberdade de Imprensa

Em junho, mais de 200 veículos de comunicação enviaram uma carta aberta solicitando acesso irrestrito à Faixa de Gaza. As informações que emergem da região geralmente vêm de jornalistas locais, que atuam como representantes de agências internacionais. O governo israelense, por sua vez, continua a acusar jornalistas palestinos de falta de objetividade.

O acesso à região é frequentemente limitado ao chamado “jornalismo incorporado”, que envolve reportagens sob a supervisão das Forças Armadas, um modelo que levanta questões sobre a imparcialidade da cobertura. Recentemente, Netanyahu ameaçou processar o New York Times após a publicação de uma imagem impactante de uma criança desnutrida na primeira página do jornal, após a qual a equipe editorial soube que a criança possuía condições pré-existentes.

Com a promessa de aumentar o número de repórteres estrangeiros na Faixa de Gaza, o primeiro-ministro não deixou claro se isso se referia ao acesso livre ou ao controle militar. A morte de Anas al-Sharif e de seus colegas representa um golpe significativo para a liberdade de imprensa e destaca os perigos enfrentados por jornalistas que relatam fatos em meio a conflitos.

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