Os habitantes de Florianópolis estão novamente em contato com um animal que há muito tempo era apenas uma memória em livros: o macaco bugio-ruivo. Considerado extinto na área por mais de 260 anos, esse mamífero conseguiu retornar à natureza local devido a um abrangente projeto de reintrodução, coordenado pelo programa Silvestres SC, do Instituto Fauna Brasil. O objetivo do projeto foi preparar esses primatas para a volta à Mata Atlântica, seu habitat original.
As primeiras solturas dos macacos bugio-ruivos ocorreram em janeiro deste ano, após um extenso período de ambientação em reservas que durou cerca de um mês, permitindo que os animais se readaptassem ao bioma. Esses “pioneiros”, batizados de Ruivo, Ranhento e Sem Cauda, foram libertados no Parque Estadual do Rio Vermelho, um famoso ponto ecológico da região. Em junho, outros quatro exemplares, conhecidos como Covid, Mike, Nariz e Moçamba, foram reintroduzidos no Monumento Natural Municipal da Lagoa do Peri. Assim, um total de 16 macacos bugio-ruivos agora habita livremente na Mata Atlântica de Florianópolis, não apenas enriquecendo a biodiversidade local, mas também desempenhando um papel essencial no ecossistema.
Esses primatas são consumidores de uma dieta que inclui sementes, atuando como importantes dispersores e, assim, contribuindo para a regeneração das florestas. A ausência dos bugios no passado havia comprometido a recuperação natural dos ecossistemas na capital catarinense.
Historicamente, o último registro documentado do macaco bugio-ruivo pode ser encontrado em uma obra sobre Santa Catarina, onde é descrito como alvo de caça. Embora se considere que a extinção oficial da espécie na região tenha ocorrido há 260 anos, há evidências que sugerem que alguns indivíduos puderam ter sobrevivido por um tempo mais prolongado antes de desaparecerem completamente.
A relação entre o bioma da Mata Atlântica e o macaco bugio-ruivo é caracterizada por uma cumplicidade mútua: enquanto a natureza depende desses primatas para proteção e equilíbrio, os macacos, por sua vez, precisam do ambiente para sua sobrevivência e reprodução. O desmatamento e a caça foram as principais causas da extinção do bugio-ruivo em Florianópolis, conforme explica Raiane Guidi, bacharel em Ciências Biológicas e analista de projetos do Silvestres SC. “Na época, grande parte dos morros da Ilha de Santa Catarina estava coberta por pastos e lavouras, levando a floresta a um estágio secundário, ou seja, a uma regeneração lenta”, afirma Raiane, destacando também o impacto da caça na redução da população dos primatas, que eram uma fonte de alimento para os moradores.
Atualmente, o macaco bugio-ruivo é considerado uma das 25 espécies de primatas globalmente ameaçadas de extinção, padecendo não apenas pela ação humana, mas também por sua vulnerabilidade a doenças como a febre amarela. Um surto dessa doença é visto como um dos prováveis causadores do declínio da espécie, o que torna a imunização dos indivíduos uma prioridade no projeto de reintrodução.
Antes de serem soltos, todos os 16 macacos passaram pelo processo de vacinação contra a febre amarela em 2022, um passo essencial que Raiane considera um marco para a iniciativa que teve início em 2019. Antes deste projeto, muitos primatas da espécie estavam em cativeiro sob a gestão do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina, sem perspectivas concretas de retorno à natureza devido à falta de preparação.
O projeto Fauna Floripa é uma colaboração entre a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram) e o Instituto do Meio Ambiente (IMA). Imunizar os macacos foi crucial para garantir a sobrevivência da população reintroduzida.
A fase de ambientação que os macacos passaram foi, essencialmente, um processo de recuperação. Todos os primatas enfrentaram programas de reabilitação comportamental e sanitária, incluindo a sociabilização, adequações na locomoção, dessensibilização em relação a humanos e ajustes alimentares. Durante esse tempo, os macacos tiveram acompanhamento veterinário contínuo e foram submetidos a exames para identificar e tratar doenças, incluindo proteção contra a febre amarela.
Além de reabilitar os animais, era necessário restaurar o bioma, que estava deteriorado e incapaz de sustentar a vida selvagem. Segundo Raiane, a criação de unidades de conservação e o restabelecimento das florestas foram fundamentais nessa recuperação. Hoje, uma parte significativa do território de Florianópolis é composta por essas áreas de conservação, o que facilitou a soltura dos primatas.
A escolha dos locais de reintrodução — Parque Estadual do Rio Vermelho e Monumento Natural da Lagoa do Peri — ocorreu com base em modelos estatísticos que identificaram os ambientes mais adequados à sobrevivência e reprodução dos bugios na ilha. Fatores como logística, distância de áreas urbanas e tamanho das reservas foram considerados. O Parque Estadual do Rio Vermelho, sob a gestão do IMA, conecta-se ao Refúgio Municipal de Vida Silvestre Meiembipe, totalizando impressionantes 5.755 hectares. Já o Monumento Natural da Lagoa do Peri soma 4.274 hectares. “Ambos os locais são amplos, proporcionando aos animais liberdade para escolher seu habitat”, destaca Raiane.
Com uma baixa incidência de predadores naturais, a Ilha de Florianópolis oferece um ambiente favorável para a reprodução dos macacos bugio-ruivos. Raiane ressalta que, embora a população cresça, sua taxa de crescimento é baixa, evitando que uma superpopulação cause desequilíbrios no ecossistema. A ilha possui a capacidade de sustentar entre 747 e 1.452 indivíduos da espécie, contribuindo para a preservação do bugio-ruivo que, atualmente, se distribui por toda a região Sul do Brasil e almeja expandir sua presença até o Espírito Santo e partes da região Sudeste.