O brasil acaba de concluir mais uma etapa eleitoral, marcada por sua vigésima primeira eleição desde a promulgação da Constituição de 1988. Este ciclo inclui dez eleições gerais, dez municipais e dez presidenciais. Embora a contagem possa parecer confusa, é importante ressaltar que a eleição presidencial de 1989 foi distinta dos pleitos para as duas casas do Congresso Nacional, realizados no ano seguinte, 1990. Desde então, a dinâmica das eleições se estabeleceu de modo que os anos pares alternem entre eleições gerais e municipais, promovendo uma regularidade no processo democrático.
A eleição de 1989 representou a última das quatro eleições que presidi ao longo dos cinco anos de meu governo. Em 1985, demos início a um novo capítulo com as eleições para prefeitos nas capitais, incluindo áreas classificadas como de segurança nacional e estâncias hidrominerais, que até então eram administradas por prefeitos nomeados. Essa transição inaugural contou com a participação de sete partidos políticos: PMDB, PFL, PDS, PTB, PDT, PSB e PT. No ano seguinte, as eleições de 1986 foram significativas, pois resultaram na escolha dos constituintes responsáveis pela elaboração da nova constituição. Em 28 de junho de 1985, apenas 100 dias após assumir a presidência, enviei um anúncio em que convocava uma assembleia nacional constituinte, honrando assim o compromisso feito por Tancredo Neves. Essa assembleia elegeu parlamentares de doze partidos diferentes.
A evolução dos partidos políticos no brasil é um fenômeno que remonta a um passado distante. Desde o século XIX, a ideia de um partido político se firmou como um elemento essencial na sociedade, mas atualmente enfrenta uma crise de identidade. Essa dificuldade não é exclusiva do brasil; globalmente, observamos mudanças significativas nos arranjos políticos. Por exemplo, nos Estados Unidos, o Partido Republicano, que se formou como uma frente contra o extremismo escravocrata, agora se viu dominado por narrativas delirantes associadas a figuras como donald trump e a ideologias da extrema-direita. Na França, o Partido Socialista navega por dificuldades, enquanto o gaullismo foi transformado em um veículo para discursos extremistas, uma transformação que levou De Gaulle a estabelecer a Quinta República. Na alemanha, o espectro do nazismo parece ressurgir de traumas que muitos acreditavam estar sepultados sob o peso de milhões de vidas perdidas.
Historicamente, o brasil teve sua era imperial marcada por apenas dois partidos: o Conservador e o Liberal. O surgimento do Partido Republicano levou à fragmentação em facções estaduais, que passavam a dividir o poder entre si. Campos Salles, em um tom antidemocrático, organizou eleições que pouco refletiam a vontade popular. Com o golpe de 1930, Getúlio Vargas se aliou a seu tradicional adversário, Assis brasil, para estabelecer uma nova lei eleitoral que, curiosamente, ficou estagnada por anos.
Em 1946, os partidos ganharam uma nova configuração, influenciada pela era varguista, que incluía a oposição representada pela UDN e os partidos que Vargas fundou, o PTB e o PSD. O Partido Comunista enfrentou banimentos logo após sua formação. João Mangabeira conseguiu desvincular o Partido Socialista da UDN, enquanto o cenário político se completava com o Republicano de Bernardes e o Libertador de Raul Pilla. Infelizmente, esse período de diversidade partidária teve um fim abrupto em 1965.
Com a ditadura militar, surgiram partidos artificialmente constituídos, como o MDB e a Arena, que funcionaram sob rígidas limitações e sem a devida representatividade. O então presidente Geisel buscou evitar que o MDB vencesse, promovendo mudanças que permitissem uma maior liberdade de formação partidária. Tancredo Neves e Magalhães Pinto fundaram o PP, enquanto eu tentei instituir o PDS como um partido moderno, comprometido com a democracia interna, mas enfrentei desafios que impediram essa transição. Minha união com Tancredo no PMDB foi fundamental para a formação da Aliança Democrática, que viabilizou a transição e a promulgação da nova Constituição.
No entanto, o problema central que enfrentamos atualmente é o retorno ao modelo fragmentado do passado, potencializado pelo sistema de voto proporcional uninominal que vigora desde 1932. Esse método, juntamente com novas regras inadequadas, fez com que os partidos se tornassem dominados por interesses individuais, sem a necessidade real de apoio popular. Hoje, convivemos com uma cacofonia de 29 partidos, muitos dos quais são meros instrumentos de interesses fisiológicos. As ideias são escassas e, quando presentes, os programas políticos são vagos e desprovidos de substância, enquanto a prática da democracia partidária é praticamente inexistente. O Parlamento, cada vez mais composto por políticos sem experiência ou visão de futuro, rejeita quaisquer tentativas de controle mínimo.
As recentes eleições municipais, que já ocorreram em diversas localidades, mas ainda têm uma segunda rodada programada, revelaram a precariedade da situação. O problema não se limita ao Congresso Nacional ou às assembleias; os municípios estão sob a égide de prefeitos e vereadores que carecem de representatividade real. As escolhas eleitorais, em geral, são pautadas por promessas demagógicas, calúnias, difamações e até violência física, frequentemente acompanhadas de um fluxo desenfreado de dinheiro que compromete a legitimidade democrática. Embora existam exceções que desafiam essa tendência, elas são raras e servem mais para evidenciar a regra do que para alterá-la.
Atualmente, os eleitores não exercem uma verdadeira escolha democrática; em vez disso, votam em nomes que, em verdade, são meras cifras, desprovidas de qualquer ligação com ideias ou ideais. A essência da democracia reside em princípios, programas, projetos e visões de mundo. Portanto, é imperativo que se coloque a reforma eleitoral na agenda de mudanças necessárias para revitalizar nosso sistema político e engajar efetivamente a população no processo democrático.