A estudante Júlia Brandão, de apenas 17 anos, teve uma descoberta significativa sobre sua identidade: a aceitação da sua negritude. Essa reflexão ocorreu durante uma das rodas de conversa do projeto Afrocientistas, uma iniciativa inovadora da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) com a colaboração da Universidade de Brasília (UnB) e a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF). O projeto visa promover a valorização da cultura afro-brasileira e oferece um espaço seguro onde estudantes podem discutir questões relacionadas à sua ancestralidade e identidade racial.
“Eu me vi como uma mulher preta. Em uma das rodas, começamos a compartilhar sobre nossos traços físicos—‘seu cabelo é lindo; sua cor é linda’—e isso despertou uma alegria profunda em mim”, compartilha Júlia.
Com uma abordagem interdisciplinar, o Afrocientistas tem como missão fornecer informações e metodologias que incentivam o desenvolvimento pessoal e acadêmico de estudantes afro-brasileiros do ensino médio. O projeto se expandiu para diversas regiões do brasil, gerando conteúdos que vão desde podcasts e crônicas até vídeos e livros. Todos esses recursos abordam os temas étnico-raciais, destacando a importância do projeto como um meio de reflexão e debate essencial sobre a cultura afro-brasileira.
Através dessa iniciativa, Júlia, juntamente com 10 colegas do Centro Educacional (CED) 01, localizado em Riacho Fundo II, está fazendo um apelo à sociedade para reconhecer as significativas contribuições afro-brasileiras à identidade cultural do brasil. Sua escola integra uma rede pública que se empenha em desenvolver projetos voltados para a luta contra o racismo. Para os participantes do Afrocientistas, essa ação se revelou fundamental para a construção de uma identidade forte e positiva como pessoas negras.
“Cresci em uma comunidade periférica. Participar de um projeto como o Afrocientistas nos faz sentir valorizados não só como alunos, mas como indivíduos que possuem uma herança cultural rica. Sinto-me realmente representado por essa iniciativa”, explica William Rosa, um estudante de 18 anos.
De acordo com dados do EducaCenso, gerido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), o DF conta com mais de 427 mil estudantes na rede pública de ensino; desses, mais de 192 mil se identificam como pretos ou pardos, representando assim cerca de 45% da população estudantil da região. Diante desse contexto, o Governo do Distrito Federal (GDF), por meio da Subsecretaria de Educação Inclusiva e Integral, vem promovendo ações que visam a valorização e promoção de uma educação que respeite e celebre as relações étnico-raciais.
Patrícia Melo, diretora de Serviços de Apoio à Aprendizagem, Direitos Humanos e Diversidade, revela que a pasta está em processo de elaboração de um protocolo que visa consolidar a educação antirracista nas escolas do DF. “Estamos desenvolvendo cadernos pedagógicos que trazem orientações e sugestões práticas sobre educação antirracista, promovendo capacitações para educadores e fóruns onde práticas inspiradoras possam ser compartilhadas. O nosso objetivo é claro: não basta apenas não ser racista; precisamos educar nossas crianças e jovens a serem antirracistas”, enfatiza.
Júlio César de Souza Moronari, diretor do CED 01 do Riacho Fundo II, observa que mais de 63% dos alunos da escola se autodeclaram negros. “Percebemos a necessidade de promover um projeto forte que incitasse a reflexão em nosso cotidiano. O Afrocientistas surgiu daí. O feedback mais gratificante que recebemos é a reafirmação da autoestima dos alunos, que se sentem valorizados por serem negros, sem serem invisibilizados”, destaca.
Marcos Vinícios Gomes, de 18 anos, que coordena uma oficina de dança na escola, acredita que a arte pode ser uma poderosa ferramenta de comunicação sobre a luta antirracista. “A dança, por ser uma forma de arte vibrante, nos permite transmitir essa mensagem de uma maneira mais acessível. Muitas vezes as pessoas não têm paciência para palestras, mas ao incorporar dança e música, conseguimos captar sua atenção de forma mais eficaz. Assim, utilizamos a arte para educar e informar”, expõe.
Durante sua jornada de autoconhecimento, Matheus Miranda, também de 18 anos, aprendeu que a luta contra o racismo é uma causa coletiva. “Nas rodas de conversa, frequentemente compartilhamos vivências relacionadas a ser negro. É reconfortante ver que não estamos sozinhos. A troca de experiências fortalece nossa união e nossa luta”, conclui.
Dessa forma, o Afrocientistas não apenas contribui para a formação de jovens conscientes de sua identidade, mas também serve como um importante movimento social de conscientização e valorização da cultura afro-brasileira.