O sistema de cotas desempenhou um papel crucial na inclusão de um número significativo de estudantes negros e indígenas no ensino superior brasileiro. A universidade de São Paulo (USP), reconhecida como a mais proeminente instituição de ensino superior do país, foi a última a implementar a reserva de vagas dedicada a esses grupos. Essa mudança histórica, concretizada em 2018, ocorreu 13 anos após a universidade Federal da Bahia (UFBA) ser pioneira nessa prática. Apesar de sua adesão tardia, a USP registra um avanço notável: entre 2010 e 2020, por meio de um programa de bonificação próprio, a universidade quadruplicou o número de estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI).
A implementação dessa política de cotas foi impulsionada pela Lei das Cotas (Lei 12.711/2012), que incentivou outras instituições de ensino a adotarem medidas semelhantes, promovendo a democratização da educação superior no brasil. No entanto, a promoção do acesso à educação não se limita a facilitar a entrada de negros e indígenas nas universidades; é igualmente vital garantir que esses estudantes se sintam acolhidos e integrados no ambiente acadêmico. Somente assim eles poderão concluir com sucesso a graduação e almejar a pós-graduação.
Um projeto intitulado “Limites e possibilidades para o bem-viver de estudantes negros em instituições de ensino superior”, coordenado por um professor do Instituto de Psicologia da USP, Alessandro de Oliveira dos Santos, recebeu apoio da FAPESP na modalidade “Auxílio a Jovens Pesquisadores – Fase 2 (JP2)”. Esse estudo abordou questões fundamentais relacionadas à vivência de alunos negros nas universidades, incluindo o bem-estar subjetivo, experiências de preconceito e discriminação, formas de organização estudantil e o apoio social disponível por parte da família.
As categorias de raça-cor adotadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluem branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Importante notar que a terminologia “negro” abrange as classificações de pretos e pardos. Os resultados da pesquisa revelaram que o bem-estar subjetivo dos estudantes negros é inferior ao dos não negros e que suas experiências acadêmicas foram significativamente afetadas pela pandemia de COVID-19. Além disso, os estudantes negros relataram dificuldades maiores na adaptação e na conclusão de seus cursos universitários.
Entre os estudantes da USP, observou-se um uso mais elevado dos auxílios para permanência e dos serviços de saúde mental. O professor Santos ressalta que as situações de preconceito enfrentadas na universidade têm um impacto negativo na saúde mental e na qualidade de vida acadêmica desses alunos. O conceito central de bem-estar subjetivo, ou BES, foi definido ao longo das últimas quatro décadas por especialistas da psicologia. Este conceito abrange a satisfação que uma pessoa sente em relação à sua vida, abrangendo tanto os aspectos emocionais quanto os racionais.
Pesquisas comparativas em diferentes culturas mostraram que o contexto social influencia significativamente o bem-estar subjetivo. Nos países em desenvolvimento, a conexão entre saúde física e BES é particularmente forte. Em contrapartida, em culturas coletivistas, a relação social e apoio mútuo se mostram determinantes para o bem-estar. Estudos também indicam que a renda, a garantia de direitos e a igualdade social possuem uma correlação positiva com o bem-estar subjetivo, especialmente em economias robustas.
O desenvolvimento do projeto “Limites e possibilidades” ocorreu em quatro etapas distintas. A primeira fase envolveu uma revisão da literatura sobre relações étnico-raciais e políticas de permanência estudantil. Na segunda etapa, foram realizadas avaliações do bem-estar subjetivo em alunos negros, brancos, amarelos e indígenas. As entrevistas individuais com estudantes negros na terceira fase buscavam entender suas vivências acadêmicas, enquanto a quarta fase incluiu grupos focais para discutir as percepções de bem-viver e o enfrentamento do preconceito.
Os resultados do estudo colocaram em evidência questões fundamentais sobre saúde mental, qualidade de vida acadêmica e suporte social, mostrando que desigualdades étnico-raciais têm um impacto profundo nas experiências acadêmicas dos estudantes negros. A insegurança e o sentimento de exclusão gerados por essas desigualdades complicam a adaptação de muitos alunos ao ambiente universitário.
O suporte social da família, coletivos estudantis e programas universitários torna-se essencial para mitigar esses desafios. A família oferece apoio emocional, enquanto grupos de estudantes proporcionam uma rede de acolhimento, o que é crucial na luta contra o preconceito. Os programas de assistência da universidade também são fundamentais, oferecendo suporte financeiro e material que ajuda na permanência e adaptação às exigências acadêmicas.
O bem-estar subjetivo e a qualidade de vida nos espaços universitários dependem do esforço conjunto de todos os envolvidos na comunidade acadêmica, incluindo estudantes, professores e gestores. A promoção de um ambiente inclusivo e solidário é necessária para que todos os alunos possam desenvolver seu potencial plenamente. A pesquisa levou à formulação de recomendações voltadas para o combate ao preconceito no ambiente acadêmico e para o fortalecimento dos laços entre universidades e famílias.
Encerrando o projeto, o pesquisador promoveu a disseminação do conhecimento gerado por meio de seminários, artigos acadêmicos e a criação de um blog. Uma das atividades de destaque foi a visita a um centro da University of Texas – Austin, onde foram explorados serviços e programas voltados para a saúde mental da comunidade estudantil. O projeto resultou na conclusão de dissertações, premiações em congressos e publicações relevantes, ampliando o conhecimento sobre a saúde mental e as condições acadêmicas dos estudantes negros no brasil. As lições aprendidas continuarão a ser uma base sólida para futuras pesquisas e ações que visem promover a equidade e a inclusão nas universidades.