Militarização e o Impacto na Educação Pública
O ato de lecionar se tornou secundário nas escolas públicas do Rio de Janeiro, especialmente após a reforma do Ensino Médio. Nesse novo cenário, educadores frequentemente encontram tempo para dar aulas apenas quando não estão ocupados com uma série de tarefas administrativas. A autonomia pedagógica, que deveria ser um direito, foi substituída por plataformas educacionais com eficácia duvidosa e pela imposição de uma infinidade de responsabilidades não relacionadas ao ensino. Além disso, os professores se veem obrigados a mediar conflitos graves e enfrentar episódios de Violência nas instituições de ensino.
Esse quadro sombrio é agravado pela intervenção de agentes externos na regulamentação das atividades dos educadores. Na Seeduc-RJ, profissionais com formação militar vêm assumindo o papel de corregedores internos, decidindo o que os docentes podem ou não realizar. Em teoria, uma sindicância é um mecanismo administrativo que visa apurar fatos com base em legalidade, ética e direito à defesa. No entanto, na prática, essa ferramenta se tornou um instrumento de perseguição, transformando a Educação em um campo minado de insegurança.
O Funcionamento das Investigações na Seeduc-RJ
Quando um educador é alvo de uma acusação, o protocolo estabelece que ele deve ser investigado por uma comissão que siga princípios como sigilo e ética. Contudo, a corregedoria da Seeduc-RJ frequentemente ignora tais diretrizes. Quando uma investigação é arquivada, o corregedor pode optar por abrir um processo administrativo disciplinar (PAD) mesmo sem evidências concretas das supostas infrações.
A Corregedoria Interna foi criada em 2019 pelo então governador Wilson Witzel, e desde então, conflitos cotidianos na rede estadual passaram a resultar em sindicâncias e PADs. Convocações para “prestar contas” nas diretorias regionais de ensino se tornaram comuns, transformando interações normais entre professores e coordenações em questões sérias. Termos de ajustamento de conduta, que poderiam facilitar a mediação, foram abolidos.
Um estudo do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe/RJ) junto ao Observatório Nacional da Violência contra Educadores (ONVE) revela a extensão dessa ofensiva: entre 2020 e 2024, foram instauradas 1.320 sindicâncias contra docentes, o que se traduz em praticamente uma por dia, com o auge das investigações ocorrendo em 2022, um ano eleitoral.
A Escalada de Processos Administrativos Disciplinar
Quando a Corregedoria Interna da Seeduc-RJ determina uma punição mais severa do que a indicada em uma sindicância, essa situação é transformada em um PAD, que é então encaminhado para a Controladoria Geral do Estado (CGE). Desde 2020, a Seeduc-RJ tem se destacado em termos absolutos no número de PADs instaurados, com dados reveladores. Em 2020, apenas nove PADs foram iniciados, dos quais um terço estava relacionado à Educação. No ano seguinte, esse total saltou para 84, com cerca de 72,6% provenientes da Seeduc-RJ. As estatísticas para 2023-2024 indicam um total impressionante de 369 processos administrativos, sendo 58,8% originados do setor educacional.
Com 35% dos servidores estaduais empregados na Educação, o cenário é alarmante. Embora a Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro possua sua própria Corregedoria Geral, a elevada proporção de PADs contra educadores sugere que esses profissionais estão sendo tratados como alvos preferenciais de investigações.
Práticas Ilegais nas Sindicâncias
Relatórios identificaram diversas ilegalidades nas investigações conduzidas pela Seeduc-RJ, como comissões formadas de forma inadequada, acusações fora do escopo investigado e imposição de penas desproporcionais. Educadores têm relatado visitas de sindicantes que emitem decisões sem considerar suas defesas, além de práticas de vigilância que criam um ambiente de medo e opressão dentro das escolas.
Um exemplo marcante é a demissão do professor João Paulo Cabrera, cuja trajetória inclui uma intensa participação em movimentos de defesa da Educação pública. Sua expulsão, que foi baseada em acusações questionáveis, serve como um aviso sobre o risco que representa criticar a política educacional vigente. Cabrera, por exemplo, foi convocado repetidamente para justificar sua abordagem pedagógica, mesmo em situações que deveriam ser normais.
A Militarização da Educação e seus Efeitos
A Seeduc-RJ, longe de garantir a qualidade e as condições de trabalho adequadas para os educadores, é gerida por militares. Desde 2019, o cargo de corregedor interno foi ocupado por policiais, que, formatados para a disciplina hierárquica, são responsáveis por determinar a liberdade de expressão dos educadores em relação à reforma do Ensino Médio e outras questões educacionais.
É crucial ressaltar que, ao contrário de outras áreas, como a medicina — onde os profissionais mantêm autonomia sobre sua ética — os educadores estão sendo controlados por aqueles que não compreendem a natureza do trabalho docente. Esse cenário resulta em um tratamento generalizado de incompetência e em um sistema que penaliza o ato de criticar a gestão pública, criando um ambiente hostil e sufocante.