O governo brasileiro, aproveitando o momentum gerado pela presidência do G-20, lançou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Esse movimento nos convoca a relembrar as boas práticas na área da segurança alimentar, ao mesmo tempo em que enfatiza a necessidade de fomentar discussões políticas cruciais para a efetividade dessa agenda. A reflexão sobre a relação entre fome e política não é nova: há quase cem anos, Josué de Castro já apontava as dimensões políticas que envolvem a fome. Na análise contida no dossiê “A fome na agenda nacional e internacional do Brasil”, torna-se evidente que, mesmo antes da crise ocasionada pela pandemia de COVID-19, as iniciativas para erradicar a fome eram insuficientes. A Organização das Nações Unidas (ONU) já havia advertido, desde 2015, sobre o alarmante crescimento da fome no mundo. Infelizmente, após a pandemia, essa situação foi agravada e a redução da insegurança alimentar tem se mostrado cada vez mais lenta. Isso se deve, em grande parte, ao aumento dos preços dos alimentos, um desafio que atualmente afeta um número maior de países comparado ao período entre 2015 e 2019, conforme apontam os relatórios mais recentes.

É imprescindível que a resposta a essa crise seja de natureza política. Um documento da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional expõe claramente o entendimento básico dessa agenda: “A fome é associada majoritariamente à extrema pobreza, mas é também uma expressão das nossas desigualdades, sendo sua consequência mais grave e perversa”. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2023 revelam a preocupação: 4,1% da população brasileira enfrenta a insegurança alimentar grave, enquanto 5,3% convivem com insegurança alimentar moderada. Essa situação se acentua nas áreas rurais, onde a fome é mais prevalente, refletindo as profundas desigualdades presentes em nossa sociedade e a urgência de abordar essas questões sob uma perspectiva que transcenda a mera produção.

Para que a segurança alimentar e nutricional sejam asseguradas, é essencial um sistema justo de produção e distribuição de alimentos, conforme preconizado pelo artigo 3.º da Lei 11.346/2006, que também aborda a qualidade alimentar. É fundamental, por exemplo, analisar o crescimento da produção de soja e milho até 2022, em contraste com a redução na semeadura de alimentos básicos na dieta brasileira, como feijão, arroz e mandioca, geralmente cultivados pela agricultura familiar. Além disso, é alarmante que o Brasil se torne o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, registrando um aumento de 161% no consumo entre 2009 e 2022, com um crescimento significativo já a partir de 2015.

A nova aliança não funcionará como um fundo financeiro nem será responsável pela gestão de um. Em vez disso, sua função será a de atuar como um elo entre doadores e países em necessidade, oferecendo uma “cesta de políticas” e diversas ferramentas para enfrentar a fome e a pobreza. O Brasil tem a oportunidade de se posicionar como líder na defesa de direitos básicos, mas é fundamental reconhecer e aprender com os erros do passado. É vital fortalecer a participação social para que os interesses de setores econômicos poderosos, como o agronegócio, não prevaleçam sobre políticas que realmente busquem soluções integradas e justas. O mercado por si só não resolve os problemas da fome e da pobreza; é necessário agir com decisões políticas sólidas e eficazes.

Dessa forma, a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza representa não apenas uma nova estratégia, mas uma importante oportunidade para o Brasil se reerguer na luta contra a fome e as desigualdades profundas que marcam sua sociedade. A união de esforços e a priorização de políticas públicas são passos essenciais para garantir que nenhum brasileiro ou brasileira passe fome. Por meio da cooperação internacional e da implementação de medidas efetivas, é possível criar um futuro mais justo, onde a alimentação e a dignidade humana sejam garantidas para todos.

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