Microfluídica: Revolução em Pequena Escala
A microfluídica é uma tecnologia que, embora ainda pareça inovadora, já está presente em diversos aspectos do nosso cotidiano. Se você já utilizou uma impressora jato de tinta ou fez um teste rápido para COVID, por exemplo, com certeza teve um contato direto com essa ciência. A microfluídica manipula volumes extremamente pequenos de líquidos por meio de canais microscópicos, que são menores do que um fio de cabelo. Nesses circuitos, os fluidos se movem de maneira controlada e precisa, permitindo a realização de análises em dispositivos do tamanho de um cartão de crédito, conhecidos como ‘lab-on-a-chip’ ou ‘laboratórios-em-um-chip’.
Inicialmente desenvolvida para aplicações no campo biomédico, essa tecnologia agora encontra aplicações em áreas tão diversas como cosméticos, sensores ambientais e até mesmo na exploração de petróleo e gás. Os benefícios são inegáveis: a microfluídica possibilita um menor consumo de reagentes, resulta em menos resíduos, agiliza processos e reduz custos. Ao invés de depender de ampolas e tubos de ensaio, uma única gota é suficiente. O resultado, que antes levava dias, pode ser obtido em minutos. Essa eficiência não só diminui o impacto ambiental, mas também acelera operações que antes eram lentas e dispendiosas.
O Impacto do Tamanho nas Análises
O segredo do desempenho desses sistemas está na forma como os fluidos se comportam em escalas reduzidas. Dentro de microcanais, os fenômenos físicos que regem o escoamento dos líquidos se comportam de forma distinta quando comparados ao que ocorre em tubulações maiores. Ao contrário do que ocorre em grandes volumes, onde a turbulência domina, no escoamento laminar dos microcanais, as oscilações são praticamente inexistentes. Isso significa que dois fluidos só se misturam por meio do fenômeno da difusão, semelhante ao ato de adicionar corante em um copo d’água. Quando dois líquidos que não se misturam, como água e óleo, se encontram, a interface entre eles gera uma força extra que influencia o movimento dos fluidos. Essas características tornam a microfluídica extremamente eficaz para simular fenômenos complexos de maneira controlada, inclusive dentro das rochas que abrigam reservas de petróleo.
Simulando Reservatórios de Petróleo em Escala Microscópica
A extração do petróleo ocorre a partir de rochas porosas que, através de poços, recebem injeções de fluidos (como água ou gás) para empurrar o óleo em direção à superfície. Esse deslocamento acontece em uma escala invisível, dentro dos poros das rochas, e compreender esses fenômenos é essencial para o sucesso da extração. No entanto, realizar estudos diretos em rochas de reservatório é um desafio: mesmo com tomografia por raios X, esses testes são dispendiosos, demoram dias e requerem grandes volumes de líquido.
Por esse motivo, em 2011, pesquisadores do Canadá e da Holanda propuseram um modelo experimental inovador: o ‘reservatório-em-um-chip’. A proposta consiste em empregar dispositivos microfluídicos para simular, em escala microscópica, as condições do ambiente poroso de um reservatório de petróleo. Essa abordagem não apenas consome volumes mínimos de fluido, mas também permite visualizar fenômenos com alta resolução espacial e temporal em poucos minutos.
Pesquisas sobre Molhabilidade e Fluxos
No Laboratório de Microhidrodinâmica e Escoamento em Meios Porosos (LMMP) da PUC-Rio, pesquisas estão sendo desenvolvidas em colaboração com empresas do setor petrolífero, visando aprimorar a recuperação de petróleo nos reservatórios. Um dos estudos foca na ‘molhabilidade’, ou seja, a preferência das rochas por água ou óleo e seu impacto na extração. Outro projeto analisa como a formação de espumas pode redirecionar o fluxo de fluidos dentro do reservatório, ajudando a bloquear caminhos de escoamento e aumentar a quantidade de óleo recuperado. Com o auxílio da microfluídica, os resultados obtidos são até 10 vezes mais rápidos se comparados a experimentos tradicionais que utilizam grandes amostras de rochas.
Testes Extremos e Novas Tecnologias
Para que essas investigações sejam aplicáveis na prática, é fundamental simular as condições extremas de alta temperatura e pressão encontradas em poços de petróleo. Para isso, o laboratório implementou uma infraestrutura capaz de realizar testes com microchips nessas circunstâncias. Atualmente, um dos projetos em andamento investiga como os fluidos de perfuração, utilizados na abertura dos poços, podem danificar a rocha e dificultar a extração do petróleo, o que os pesquisadores chamam de ‘formation-damage-on-a-chip’.
Outra linha de pesquisa envolve a avaliação da dosagem mínima de substâncias químicas eficazes para prevenir a formação de incrustações minerais nos dutos. Com a microfluídica, experimentos que normalmente levariam semanas podem ser realizados em apenas alguns dias, com precisão e menor desperdício.
Microcápsulas: A inovação Direcionada
Uma das inovações mais promissoras no campo da microfluídica é a criação de microcápsulas com tamanho controlado, que liberam substâncias químicas de forma direcionada. Essas cápsulas, por exemplo, podem conter inibidores de corrosão envoltos em membranas sensíveis a temperatura, pH ou outros gatilhos específicos, permitindo a liberação no momento e local desejados. Em condições de águas profundas, como nos poços do pré-sal, as baixas temperaturas complicam a injeção de determinados aditivos. A solução encontrada foi encapsular esses produtos, fazendo com que se abrissem apenas ao entrar em contato com o óleo quente que vem do reservatório, resultando em menores perdas, menor impacto ambiental e maior precisão na entrega da substância. Essa tecnologia está em fase avançada de desenvolvimento e originou a startup MicroDOTs, uma iniciativa da PUC-Rio que visa levar essa inovação ao mercado.
Perspectivas Futuras com a Microfluídica
A crescente popularização da microfabricação está ampliando as aplicações da microfluídica, tornando viável seu uso em diversos contextos. Seja na medicina ou na indústria de energia, o que antes era restrito a ambientes caros e controlados agora pode ser replicado com maior agilidade e precisão, preservando o meio ambiente.
Nossas pesquisas demonstram que é possível investigar fenômenos complexos da extração de petróleo de uma maneira mais acessível e eficiente, oferecendo contribuições significativas para o avanço do conhecimento e o desenvolvimento de soluções inovadoras em setores estratégicos, atendendo às crescentes demandas por maior sustentabilidade na indústria.
Marcio Carvalho recebe financiamento da Petrobras, CNPC Brasil, PRIO, Equinor do Brasil, Galp e CNPq. Bruna Leopércio, por sua vez, é CTO da MicroDOTs e recebe financiamento da FAPERJ. Jorge Antonio Avendaño não presta consultoria e não possui vínculos financeiros com empresas que possam se beneficiar da publicação deste artigo, além de seu cargo acadêmico.