A Jornada de Rosana Fernandes de Araújo
Rosana Fernandes de Araújo, uma indígena de Roraima, enfrentou um longo caminho até conquistar uma vaga no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Aos 30 anos, ela revela que, apesar das dificuldades e momentos de desânimo, a persistência trouxe recompensas. Nascida na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, Rosana deixou sua comunidade aos 15 anos, determinada a mudar sua trajetória de vida.
Filha de agricultores, com uma mãe que estudou apenas até a 4ª série e um pai analfabeto, a jovem sempre soube que sua jornada não seria fácil. Antes de se tornar concursada, trabalhou como atendente de padaria e manicure, enfrentando preconceitos tanto fora quanto dentro de casa. ‘Meus pais não acreditavam que o destino da mulher indígena poderia ser outro além de ter filhos, cuidar da casa e trabalhar na roça’, compartilha Rosana.
Após muito esforço, ela se formou em direito, sendo a primeira da família a alcançar essa conquista, e decidiu encarar o competitivo mundo dos concursos públicos. Foram oito anos de preparação intensa, noites mal dormidas e incertezas até que a tão esperada aprovação no concurso do STJ finalmente chegasse. ‘Estudar para concurso não é só sobre conhecimento. É resistência. É enfrentar o medo, a dúvida e a solidão. Mas no fim, você transforma disciplina em destino’, resume Rosana.
A Vitória e os Desafios Finais
Agora, Rosana se depara com mais um desafio antes de assumir seu posto no STJ. Ela faz um apelo por apoio: com a sanção presidencial do PL 4.303/2024, espera que os 27 cargos vagos de agente da Polícia Judicial e os 3 cargos retirados de inspetores sejam transformados para que sua posse possa se concretizar. Seu desejo é mostrar à sua comunidade que é possível vencer sem renunciar à identidade, às origens e aos sonhos. ‘Estudar mudou a minha vida. Agora quero mostrar que também pode mudar a realidade dos jovens da minha comunidade’, enfatiza Rosana.
A História de Luta e Superação
A história de Rosana se desenrola na comunidade indígena Bandeira Branca, localizada na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no extremo norte de Roraima, próximo à divisa com a Guiana Inglesa. Desde cedo, a jovem carrega em seu olhar a força e a resiliência que herdou de suas raízes. ‘Minha mãe era órfã de pai e minha avó criou oito filhos sozinha. A necessidade nos levou a começar a trabalhar muito cedo’, relembra.
O garimpo, uma atividade que marcou a vida de muitas famílias na região, foi o cenário onde sua mãe conheceu seu pai. Juntos, formaram uma família, vivendo em barracas e enfrentando a dura realidade da falta de recursos. Quando o governo lançou uma operação de combate ao garimpo, necessitaram mudar-se para a comunidade vizinha, Água Fria. ‘Minha mãe costurava e fazia farinha para vender, mas era um período difícil, a região não oferecia muitos recursos’, lamenta Rosana.
Infância em Território Disputado
A infância de Rosana, nascida em 1994, está marcada por incertezas. ‘Naquele tempo, era apenas o Município de Uiramutã, sem a demarcação que hoje define nosso território’, explica. Com cinco irmãos, a união familiar sempre foi uma força em meio às adversidades. ‘Lembro que quando começaram as operações para retirar os garimpeiros, meu pai demorou para sair. Não foi uma decisão fácil para ninguém’, relembra.
A demarcação da Raposa Serra do Sol em 2005 foi uma conquista coletiva, um marco de resistência. ‘Foi um respiro, mas também uma homenagem a quem lutou até o fim’, reflete Rosana. Apesar das dificuldades, a educação sempre foi um valor inegociável em sua família, surgindo como uma luz em um cenário muitas vezes sombrio.
Leia também: Servidores da Educação em Cabo Frio Recebem Menos Que o Salário Mínimo: Denúncias Revelam Situação Crítica
A Marca do Garimpo e a Busca por Esperança
Rosana descreve como o cotidiano de sua família era permeado pelo contraste da tradição indígena e a presença dos garimpeiros. ‘O medo de perder nossa terra e ver nossa cultura ameaçada era constante. As conversas à noite eram sempre de resistência e esperança’, relata. A luta pela demarcação do território expôs a urgência da proteção aos povos indígenas, lembrando que a resistência é uma parte vital do seu legado. ‘Vimos nossa terra sendo invadida, nossa cultura ameaçada e muitas famílias sofrendo diretamente com a violência. Não era só um território que estava em jogo, mas a nossa existência’, conclui Rosana.