Elizabeth Cascio começou a desenvolver uma tosse incontrolável após um mês de trabalho no Marco Zero. De acordo com ela, a situação se agravou com o surgimento de sinusite e constantes dores de cabeça. “Todos nós tínhamos plena consciência de que a qualidade do ar era perigosa, muito tóxica”, relata Cascio, que foi técnica de emergência médica do Corpo de Bombeiros de Nova York (FDNY).
Cascio foi uma entre milhares de socorristas que atenderam ao chamado após a destruição das Torres Gêmeas, em Nova York, provocada pelos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. “Quando desembarquei no transporte e cheguei ao Trade Center, instintivamente segurei a respiração e pensei: ‘Isso não pode ser bom’.”
Desde então, Cascio se aposentou em 2023, após se tornar chefe de gabinete do FDNY. Agora com 61 anos, ela continua a ser monitorada pelo programa de saúde do World Trade Center (WTC), oferecido pelo governo dos EUA. Esse programa é essencial para o acompanhamento médico e tratamento de todos os que foram diretamente impactados pelos atentados, abrangendo locais como o WTC, o Pentágono e Shanksville, na Pensilvânia. Além disso, o programa financia pesquisas sobre as implicações físicas e mentais relacionadas às exposições no 11 de Setembro.
Passados 23 anos do evento, Cascio insiste na importância de compartilhar a verdadeira extensão do impacto causado pela catástrofe, especialmente sobre os trabalhadores do serviço de emergência e a sub-representação das mulheres nesse contexto. “É meu dever falar sobre o 11 de Setembro por causa desses profissionais que não têm a visibilidade que merecem”.
Logo após a tragédia, uma densa nuvem de fumaça e poeira se espalhou por Lower Manhattan, atravessando o East River até o Brooklyn. Enquanto as equipes de resgate se mobilizavam, a atmosfera estava impregnada pelos detritos dos prédios desmoronados, aumentando a contaminação do ar. Em algumas áreas, camadas de poeira e fuligem acumulavam-se a mais de 10 cm de espessura, invadindo até os prédios, e a qualidade do ar permaneceu afetada durante meses, mesmo após fortes chuvas que eliminaram parte da poluição visível.
As autoridades, incluindo a Agência de Proteção Ambiental (EPA) e o então prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, tentaram acalmar a população, assegurando que o ar estava relativamente seguro. Contudo, muitos trabalhadores e voluntários não possuíam o equipamento de proteção adequado, recorrendo a máscaras simples.
Com o passar do tempo, ficou evidente que as tentativas de tranquilizar o público estavam longe de refletir a realidade. Estudos descobriram que a poeira resultante do colapso das Torres Gêmeas continha substâncias perigosas, como amianto e metais pesados, além de produtos químicos nocivos que estavam presentes em grandes quantidades. Esses elementos, que irritavam os olhos e os pulmões, contribuíram para uma variedade de problemas de saúde.
As consequências a longo prazo para aqueles que estiveram nas proximidades do Marco Zero estão se tornando cada vez mais visíveis. De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), 127.567 pessoas estão inscritas no programa de saúde do WTC, com mais de 82 mil sendo socorristas ou voluntários diretamente envolvidos nas operações de resgate e limpeza. Surpreendentemente, até dezembro de 2023, 6.781 dessas pessoas tinham falecido devido a doenças associadas à exposição no local após o 11 de Setembro – um número que ultrapassa o total de vítimas fatais do próprio ataque.
“No FDNY, mais de 360 membros do corpo morreram de doenças relacionadas ao WTC, sendo mais do que as 343 vidas perdidas no dia do ataque”, afirma John Feal, um especialista em demolição que dedicou sua vida a ajudar e advogar pelos direitos de saúde dos socorristas. Feal, que sofreu um grave acidente no local, continua a se mobilizar em prol de melhores condições para aqueles que arriscaram suas vidas.
Entre as condições associadas à exposição à poeira tóxica estão câncer, doenças autoimunes, problemas respiratórios e transtorno de estresse pós-traumático. Casos de sarcoidose também tornaram-se comuns entre bombeiros expostos. Depois dos ataques, muitos trabalhadores voltaram rapidamente ao trabalho, mas logo sintomas respiratórios apareceram, e crianças começaram a apresentar novos casos de asma. A questão do estresse pós-traumático tornou-se generalizada em Nova York.
Estudos indicam que cerca de 400 mil pessoas podem ter sido expostas a contaminantes, levando a um aumento de diversas condições de saúde. Entre as doenças relatadas estão enfermidades respiratórias e distúrbios gástricos, além de problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade.
Condições como o câncer têm sido comuns, afetando milhares e potencialmente sem que suas causas tenham sido conectadas diretamente ao 11 de Setembro. Embora a maioria das vozes nesse espaço sejam masculinas, a atenção para as necessidades específicas das mulheres está ganhando destaque, com iniciativas para incluir o câncer uterino e mamografias nos exames regulares oferecidos através do programa de saúde.
Ainda que a pesquisa e o suporte estejam disponíveis, a luta contínua por reconhecimento de todas as condições relacionadas ao 11 de Setembro é um desafio persistente. Aqueles que foram afetados, incluindo sobreviventes e socorristas de diversas partes do país, ainda enfrentam invisibilidade e a necessidade de recursos que podem fazer a diferença em suas vidas.
A importância de documentar as experiências e garantir que não sejam esquecidas é vital. “Nunca esquecer” deve significar um compromisso com a saúde e bem-estar daqueles que sofreram, tanto física quanto mentalmente, em decorrência dos impactos do 11 de Setembro.