O Ascendente Papel da IA nos Processos Seletivos
Em um mundo cada vez mais digital, a forma como as contratações acontecem mudou radicalmente. Para muitos profissionais, a experiência de submeter um currículo se resume a um PDF enviado em meio ao silêncio. Relatos no LinkedIn revelam que muitos candidatos se sentem estagnados, esperando por entrevistas que nunca chegam. A verdade é que, por trás desse processo, um filtro de inteligência artificial (IA) pode ser o responsável por decidir quem avança.
Nos últimos anos, o cenário da busca por emprego se alterou drasticamente: antes de chegar aos recursos humanos, o currículo precisa passar pela análise de algoritmos. Ferramentas como Gupy, LinkedIn e sistemas de rastreamento de candidatos (ATS) têm a capacidade de avaliar milhares de perfis em questão de segundos, filtrando candidatos com base em sua compatibilidade com a vaga desejada.
A pesquisa AI in Hiring 2025, realizada pela Insight Global, revela que 99% dos profissionais de recursos humanos nos Estados Unidos empregam a IA em alguma etapa do processo de contratação. Dentre esses, 98% afirmam que essa tecnologia trouxe mais eficiência.
Contudo, esse entusiasmo das empresas contrasta com a sensação de invisibilidade que muitos candidatos enfrentam. O processo de conseguir um emprego tornou-se uma corrida não apenas por habilidades, mas também por decifrar algoritmos. Para ter sucesso, os candidatos precisam traduzir suas experiências na linguagem compreendida pelos softwares utilizados.
Os Desafios da Triagem Automatizada
“Enviei 56 currículos e não tive nenhuma entrevista. Apenas retorno negativo.” Essa é a realidade de Fabiane Silva, de 48 anos, que foi demitida há dois meses e não consegue avançar nas seleções. “Curiosamente, enquanto estava empregada, recebia diversas propostas. Agora, desempregada, simplesmente não surge nada”, compartilha.
Fabiane acredita que sua idade é uma barreira invisível nos processos seletivos. Estudos da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) corroboram essa preocupação, apontando que algoritmos de recrutamento podem perpetuar preconceitos relacionados à idade, gênero e localização, prejudicando a diversidade e desumanizando a experiência dos candidatos.
De acordo com o desenvolvedor de IA, Leonardo Miralles, pode haver exclusões automáticas de perfis com base em critérios como idade ou situação familiar. “Isso depende de como o recrutador configura o filtro”, explica.
João Pedro Bradley, mentor de carreira, ressalta que a simples variação da idade em um currículo pode alterar completamente os resultados nas seleções. “Defendemos que a automação não deve ser total; a presença humana é crucial”, destaca.
A Dinâmica da Triagem com IA
A maioria dos currículos, antes de qualquer análise humana, passa por software de triagem, conhecidos como ATS. Essas plataformas podem eliminar ou destacar candidatos de forma automática. Ferramentas como Gupy e Hire permitem que os recrutadores configurem filtros e palavras-chave, fazendo com que o primeiro contato não ocorra com um ser humano, mas sim com uma máquina.
Com essa mudança, o papel dos recrutadores evoluiu: eles deixaram de ser os principais decisores para se tornarem supervisores dos sistemas automatizados. Essa transformação inclui etapas que podem ser longas e cansativas, como testes em vídeo e formulários online, para então realizar os ranqueamentos.
As ATS preferem currículos simples, sem tabelas ou imagens, além de valorizarem documentos que contenham números e resultados concretos. Leonardo explica que, por exemplo, um currículo mais limpo facilita a leitura pela máquina, enquanto João Pedro enfatiza que descrever experiências de forma detalhada é uma estratégia essencial.
A Importância das Palavras-Chave
Um aspecto frequentemente criticado pelos candidatos são os filtros invisíveis. Se um currículo não corresponde exatamente à descrição da vaga, ele pode ser descartado antes mesmo de ser lido. O uso de IA para capturar palavras-chave se torna essencial nesse momento.
João Pedro observa que sistemas mais avançados já compreendem o contexto das palavras. Por exemplo, um “jornalista multimídia” não será automaticamente eliminado ao buscar um “repórter de TV”, mas adaptar o currículo para a vaga continua sendo uma estratégia importante.
O Silêncio e as Vagas Fantasmas
Muitos candidatos relatam frustração por nunca receber retorno sobre suas aplicações, mesmo quando seus currículos estão bem elaborados. Thiago Ribeiro, um desenvolvedor de IA de 27 anos, está há um ano em busca de trabalho e enfrenta dificuldades por ainda não ter concluído sua graduação. “Fui descartado por não ter ‘formação completa’. O sistema não leva em consideração minha trajetória”, desabafa.
Ele também menciona as chamadas vagas fantasmas, que permanecem abertas por meses sem que as empresas finalizem o processo. “O problema não é técnico. Quando chego ao recrutador humano, consigo avançar. A barreira maior é passar pelo filtro”, afirma.
Estratégias de Sucesso em um Mercado Competitivo
Para se destacar, os especialistas recomendam três abordagens: adaptar currículos e perfis para atender às exigências dos ATS, cultivar uma rede de contatos ativa e promover um equilíbrio entre a eficiência tecnológica e a análise humana. Essa combinação é essencial para que candidatos não sejam deixados de fora em um processo que deveria ser mais inclusivo.
Enquanto essa adaptação não se concretiza, histórias como as de Fabiane, Sinclair e Thiago mostram que o silêncio após o envio do currículo não é sinal de incompetência, mas sim evidência de um funil digital que desumaniza a seleção. A tecnologia pode acelerar os processos, mas, quando usada sem cuidado, pode afastar os talentos que as empresas realmente necessitam.