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O desânimo que sinto é refletido nos olhares de todos ao meu redor nestes dias sombrios, cobertos de fumaça e fogo. Neste momento, escrevo do centro de São Paulo, em uma quente tarde de quinta-feira (12), quando os termômetros marcam impressionantes 34 graus e a umidade do ar cai para menos de 20%. Meu vizinho me lembra que “já houve dias piores”, e essa frase ecoa a sombria realidade que vivemos: “este é o novo normal”.
Essa expressão me leva de volta à imersão triste da pandemia, período em que nos viemos enclausurados em nossos lares, assistindo a um crescente número de vítimas da Covid-19, empilhadas como corpos que foram enterrados sem o devido luto.
Agora, apesar de podermos sair, a liberdade parece estar condicionada a uma respiração contida; morremos um pouco a cada dia, sufocados pelas chamas que devoram o brasil de norte a sul, de leste a oeste, levando embora nossas riquezas coletivas. Emicida expressa essa angústia em sua canção “É tudo pra ontem”, onde ele nos faz refletir que “viver é partir, voltar e repartir; a morte se torna rotina quando a tragédia se torna costume”.
Mensagens trocadas entre amigos, parentes e colegas trazem notícias alarmantes: crianças hospitalizadas com problemas respiratórios e pessoas aterrorizadas pelo fogo que se aproxima inexoravelmente de seus lares.
Na zona oeste da capital paulista, testemunhei crianças brincando sob uma chuva de fuligem, que caía como flocos de neve, na tarde de quarta-feira. Ao falar do que está diante de mim, não posso esquecer que há mais de um mês, em capitais como Manaus e Rio Branco, no coração da Amazônia, os moradores vivem em meio a uma espessa cortina de fumaça. Nas terras indígenas dos Kayapó e em mais de 40 territórios em Mato Grosso, as chamas consomem tudo. Esses povos, que sempre tentaram preservar a natureza, agora enfrentam não apenas o fogo, mas também a seca que diminui os majestosos rios da região.
Trata-se de uma tragédia que não respeita fronteiras, semelhante à pandemia, mas desta vez, não podemos apontar o dedo para um vírus ou buscar soluções em vacinas. O verdadeiro culpado somos nós. Mesmo que o ato de atear fogo não seja nosso, por quanto tempo permitimos que isso acontecesse?
Recordo a esperança que todos compartilhavam, uma expectativa de que a pandemia pudesse transformar nossa maneira de viver, especialmente os modos de vida “eurocêntricos” que tanto dominaram nossas ações. A conexão empática que floresceu durante as transmissões ao vivo de artistas e pensadores, como Ailton Krenak, Gilberto Gil e até mesmo Emicida, nos despertou em um momento de profunda reflexão.
Acredito na força desse sentimento coletivo que nos levou a depor um governo cruel e autoritário, repleto de promessas não cumpridas, que resultou em mortes evitáveis, aumento da fome e devastação na Amazônia, além dos direitos humanos que foram negados a milhões de brasileiros. Sinto o peso desse legado enquanto olho para o nosso cenário alarmante de hoje.
No entanto, não há tempo hábil para reconstruir, nem razões para continuar acreditando na ilusória promessa de desenvolvimento, ainda amplamente perpetuada pelos discursos de nossos líderes.
Como Ailton Krenak sabiamente comentou no podcast “Bem Viver”, imaginar um futuro como um lugar para onde estamos indo pode ser um erro: “Continuaremos a explorar a Terra se acharmos que estamos indo para algum lugar”. Ele acrescenta que devemos nos dedicar ao conceito de “decrescimento” e reavaliar nossas vidas em harmonia com a biosfera do planeta, em vez de continuarmos a buscar um desenvolvimento insustentável.
Pode parecer audacioso, mas é uma proposta em sintonia com os desafios que enfrentamos atualmente. É uma sorte que estejamos em um país rico em ensinamentos que nos mostram como coexistir de forma sustentável e com responsabilidade. Temos a coragem necessária para enfrentar o caos, como nos mostraram enfermeiros, e que agora é inspirada por brigadistas que combatem as chamas.
É uma condição que exige urgência. Que as deusas nos protejam e que as chuvas de La Niña cheguem logo com a água que tanto precisamos!
Por fim, para quebrar essa solidão em tempos de crise, convido você a acompanhar o “Bom dia, Fim do Mundo”, nosso videocast que semanalmente aborda a “Trombeta do Apocalipse”, mas também traz diálogos inspiradores e uma “Luz no Fim do Túnel”. Você pode encontrá-lo em plataformas de podcast e no YouTube da Agência Pública.