O cenário que emerge após as eleições de 2024 para as forças de esquerda no brasil é repleto de reflexões e análises, muitas vezes focalizando as causas da derrota. Neste contexto, três tópicos principais se destacam e serão explorados em profundidade nas próximas colunas: a conexão das esquerdas com as periferias, as alianças estratégicas com a direita numa perspectiva de frente ampla, e a análise do governo Lula sob uma lente neoliberal.
Começando pela relação das esquerdas com as periferias, é vital diferenciar entre as percepções e a realidade. Muitas das avaliações feitas em gabinetes antes do pleito finalizarem tendem a atender a um desejo ideológico de estabelecer uma “nova esquerda“, pautada em premissas idealistas que, frequentemente, acabam se distanciando da realidade vivida pelos eleitores.
Realizar uma avaliação sólida dos dados eleitorais requer um tempo de reflexão, mas é crucial que o debate se fundamente na realidade dos votos e do trabalho histórico da esquerda nos diversos territórios. Ao examinar a candidatura de Guilherme boulos em São Paulo, por exemplo, torna-se evidente a necessidade de uma análise coletiva que explore as razões da derrota. Nesse caso, fatores como a força das máquinas políticas no nível municipal e estadual, além da proliferação de desinformações, que continuam a afetar o cenário eleitoral sem um controle institucional eficaz, desempenham um papel crucial. Essas desinformações muitas vezes visam não apenas destruir reputações, mas também consolidar um clima de rejeição.
É importante destacar que a análise não deve se embasar na premissa de que a esquerda falhou em estabelecer comunicação com as periferias. Os dados obtidos no primeiro turno das eleições corroboram a ideia de uma competição direta entre os diversos campos políticos em São Paulo, há poucos intermediários e alianças, o que contrasta com o jogo político mais fragmentado do segundo turno.
Em termos de eleitorado, São Paulo conta com 9.322.444 eleitores, dos quais a zona leste abriga a maior parte, cerca de 3,19 milhões, seguidos pela zona Sul, com aproximadamente 3,05 milhões. Juntos, esses bairros têm uma concentração significativa, representando dois terços do eleitorado paulistano. Nos bairros mais periféricos, a tendência observada é que à medida que nos afastamos do centro, o desempenho de boulos se destaca, com vitórias em diversas seções eleitorais ou derrotas por margens estreitas. Em áreas onde obteve vitória, boulos apresentou resultados muito próximos aos que Lula alcançou em 2022, evidenciando a continuidade da força da esquerda na capital.
Na zona leste, a região mais populosa, a competição foi concentrada entre boulos e seu oponente marçal, com Ricardo nunes oscilando para um terceiro lugar em todas as zonas eleitorais. boulos conquistou vitórias em seis dessas zonas, todas previamente ganhas por Lula, algumas com discrepâncias amplas de votos.
Ao nos depararmos com a zona Sul, notamos que ela possui a maior seção eleitoral da cidade, a 372ª, localizada em Piraporinha, contabilizando 245.720 eleitores. Neste local, boulos repetiu o feito de Lula, obtendo uma vitória expressiva sobre nunes. Além disso, outras quatro zonas eleitorais nos bairros periféricos dessa região, como Valo Velho e Capão Redondo, também favoreceram boulos, refletindo sua boa aceitação entre os moradores.
Neste sentido, a análise das zonas eleitorais deve ser expandida para abarcar o conjunto das capitais brasileiras, permitindo avaliações comparativas sobre o desempenho das candidaturas de esquerda e direita, respaldadas anteriormente por Lula. É crucial entender que a boa votação de boulos nas periferias não é um acaso, mas sim resultado de sua capacidade de unir seu trabalho atual no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) com a força histórica que o Partido dos Trabalhadores (PT) sempre teve nesses territórios. Na sua primeira candidatura à prefeitura, em 2020, boulos já mostrava um desempenho robusto nas periferias, superando candidatos do PT, e agora, em 2024, sua força foi amplificada pela união entre PT e PSOL na cidade.
Assim, as lições desse processo eleitoral em São Paulo e as reflexões em torno do desempenho das esquerdas nas periferias são essenciais para planejamentos futuros e para a construção de uma estratégia coesa que dialogue realmente com as demandas e anseios das comunidades. Compreender a dinâmica eleitoral e as realidades sociais locais é fundamental para que as esquerdas consigam retomar a confiança do eleitorado e estabelecer um vínculo mais forte com as vozes que emergem das periferias, refletindo um compromisso sólido e contínuo com os interesses dessas camadas da população. A construção de uma nova narrativa pode, portanto, não apenas resgatar a imagem da esquerda, mas também oferecer alternativas viáveis que realmente façam a diferença na vida dos cidadãos paulistanos e, eventualmente, em todo o brasil.