O cenário pós-eleitoral de 2024 para as esquerdas no brasil apresentou um ambiente de reflexão e análise, buscando entender o significado do resultado desfavorável. Compreender essa dinâmica implica explorar três tópicos principais que estarão na pauta das próximas colunas: a relação das esquerdas com as periferias, a estratégia de alianças com a direita por meio da lógica da frente ampla e a caracterização do governo de Luiz Inácio Lula da Silva como neoliberal.
A primeira questão a ser abordada é a relação entre as esquerdas e as periferias urbanas, que merece uma análise cuidadosa e diferenciada. Muitas das interpretações feitas antes do desfecho do pleito carecem de um embasamento sólido e refletem mais um desejo idealista por uma nova proposta de esquerda, cuja liderança estaria atrelada à visão de seus idealizadores. Para formar um entendimento mais robusto sobre os resultados, é fundamental que o debate se sustente em dados concretos de votos e em como o processo eleitoral se conecta ao trabalho contínuo da esquerda nas comunidades.
Um caso emblemático é a candidatura de Guilherme boulos em São Paulo, que merece uma avaliação coletiva das causas de sua derrota. Essas razões envolvem, em grande parte, a força das máquinas municipais e estaduais, assim como o impacto contínuo de falsas informações que, destituídas de controle institucional eficaz, visam destruir reputações e consolidar rejeições. Essa análise não deve partir da suposição de que a esquerda não consegue se comunicar com as periferias. Pelo contrário, os números do primeiro turno evidenciam uma disputa acirrada entre os diversos campos políticos na capital paulista, mostrando que houve uma clara interação direta sem as mediações e alianças que caracterizam o segundo turno.
Considerando o eleitorado da cidade de São Paulo, que conta com 9.322.444 eleitores, a maior concentração se localiza na zona leste, com 3,19 milhões de votos, seguida pela Zona Sul, com 3,05 milhões. Juntas, essas áreas representam cerca de dois terços do total de eleitores. Observa-se que, em regiões mais periféricas, o desempenho de boulos foi superior, refletindo suas vitórias em várias seções eleitorais ou derrotas por margens estreitas. Nas zonas em que boulos obteve sucesso, seu resultado se aproximou das votações de Lula no primeiro turno de 2022, evidenciando a força contínua da esquerda na metrópole.
Na zona leste, a região com o maior número de eleitores, a disputa entre boulos e marçal se destaca, com Ricardo nunes apresentando um desempenho inferior em todas as zonas eleitorais. boulos triunfou em seis zonas dessa área, todas conquistadas também por Lula em 2022, algumas com significativas margens de vitória. O cenário é ilustrativo: em São Mateus, por exemplo, boulos arrecadou 35% dos votos, contra 28% de nunes.
A Zona Sul também teve um impacto significativo nas eleições, com a maior zona eleitoral localizando-se em Piraporinha, que possui 245.720 alistados. Nela, boulos renovou a vitória de Lula, obtendo resultados favoráveis em diversos bairros periféricos, como Capão Redondo e Campo Limpo, onde repetiu o desempenho passado de Lula. Esses dados são essenciais para entender a trajetória das preferências eleitorais nas comunidades mais vulneráveis e a habilidade de boulos em captar os votos.
Além disso, é fundamental ampliar essa análise para outras capitais do país, considerando tanto o desempenho das esquerdas com candidaturas próprias quanto os resultados das candidaturas de direita que contaram com o suporte de Lula. Essa avaliação comparativa permitirá uma compreensão mais ampla das peculiaridades de cada contexto eleitoral e facilitará o planejamento estratégico futuro.
No caso específico de São Paulo, a boa votação de boulos nas periferias pode ser atribuída à sua capacidade de unir o trabalho territorial desenvolvido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) à força tradicional que o Partido dos Trabalhadores sempre teve nessas áreas. Na sua primeira tentativa pela prefeitura em 2020, boulos já demonstrou ser o candidato mais votado em muitas urnas das regiões periféricas, superando seu oponente do PT. Com a unidade entre PT e PSOL para a eleição de 2024, essa tendência se potencializou, mostrando que a esquerda ainda possui um canal significativo de comunicação e mobilização na cidade.
Por fim, a partir destas questões, torna-se evidente que a análise crítica do desempenho das esquerdas nas eleições é vital para a construção de um futuro político mais coerente e inclusivo. O diálogo contínuo com as comunidades periféricas e a manutenção de um posicionamento claro frente às lógicas de alianças e ao debate sobre a natureza do governo atual são elementos cruciais para que as esquerdas possam não apenas entender, mas também buscar reverter os resultados adversos em futuras disputas eleitorais.