Desculpas Históricas e o Caminho da Reconciliação
A primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, chegou a Nuuk nesta quarta-feira, 24 de setembro, para realizar um ato simbólico de desculpas públicas às vítimas da controversa campanha de contracepção forçada promovida pelo governo dinamarquês entre as décadas de 1960 e 1990. Este episódio é considerado um dos capítulos mais sombrios da relação entre Copenhague e a Groenlândia, onde milhares de mulheres e adolescentes, algumas com apenas 12 anos, foram submetidas à inserção de dispositivos intrauterinos (DIUs) sem qualquer tipo de consentimento.
Em suas redes sociais, Frederiksen descreveu o evento como um momento marcante, referindo-se a “uma página sombria da nossa história comum”. A deputada Aaja Chemnitz, que representa a Groenlândia no Parlamento dinamarquês, ressaltou a importância do ato, não apenas para as mulheres afetadas, mas para toda a sociedade. Chemnitz observou que este é um passo significativo em direção à reconciliação, após o anúncio das desculpas oficiais em agosto do mesmo ano.
A Campanha e Suas Consequências
A campanha de esterilização tinha como objetivo principal a redução da natalidade entre a população inuíte, considerada excessiva pelas autoridades dinamarquesas da época. Uma investigação conjunta realizada pelos governos da Dinamarca e da Groenlândia revelou que cerca de 4.500 mulheres foram submetidas ao procedimento, muitas delas sem qualquer informação prévia ou autorização, incluindo menores de idade. O completo controle sobre o sistema de saúde na Groenlândia só foi transferido ao governo local em 1992.
Os danos causados foram profundos: além da perda da capacidade de ter filhos, muitas vítimas enfrentaram traumas psicológicos que perduram até hoje. Ginecologistas groenlandeses reportaram o achado de DIUs em pacientes que desconheciam sua presença, um indicativo das consequências duradouras desta prática.
Investigação e Futuras Ações Legais
A revelação sobre a campanha de esterilização forçada ganhou força após o depoimento de uma vítima e uma série de podcasts da emissora pública dinamarquesa DR, lançados em 2022, que expuseram a extensão do problema. Em resposta a essas denúncias, uma investigação oficial foi iniciada, com suas conclusões previstas para serem divulgadas em setembro de 2025. Um segundo inquérito, com foco jurídico, está em andamento para avaliar possíveis crimes de genocídio, com um relatório esperado para a primavera de 2026.
Fundo de Reconciliação e Demandas de Reparação
Na segunda-feira, Frederiksen anunciou a criação de um “fundo de reconciliação”, destinado a compensar financeiramente as vítimas e outros cidadãos groenlandeses que sofreram discriminação em razão de sua origem. Embora o valor a ser concedido ainda não tenha sido revelado, a primeira-ministra enfatizou: “Não podemos mudar o que aconteceu, mas podemos assumir nossa responsabilidade”.
O advogado Mads Pramming, que representa cerca de 150 vítimas em um processo judicial contra o Estado dinamarquês por violação de direitos humanos, declarou que, embora o pedido de desculpas seja um passo importante, ele não é suficiente. As mulheres exigem reparações financeiras e um reconhecimento formal dos abusos cometidos.
Repercussões e Contexto Histórico
O presidente da Groenlândia, Jens-Frederik Nielsen, também se desculpou em nome do governo local. Seu antecessor, Mute B. Egede, chegou a caracterizar a campanha como um “genocídio”. Esta situação não é isolada; houve outros episódios controversos entre Dinamarca e Groenlândia, incluindo adoções forçadas e a transferência de crianças inuítes para programas de assimilação cultural. Em 2022, o governo dinamarquês pediu desculpas e indenizou seis crianças que foram separadas de suas famílias para integrar uma “elite de língua dinamarquesa”.
Ademais, a pressão internacional teve um papel significativo na postura atual do governo dinamarquês. A deputada Chemnitz mencionou que as declarações de Donald Trump sobre a potencial compra da Groenlândia e o interesse estratégico dos Estados Unidos no território aceleraram os esforços de reconciliação por parte de Copenhague.