Famílias em situação de vulnerabilidade enfrentam despejo
Mais de 1.600 pessoas, pertencentes a cerca de 400 famílias no Entorno do Distrito Federal, estão prestes a iniciar a próxima semana sem um lar. O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) autorizou a desocupação forçada dos moradores da Antinha de Baixo, um povoado localizado em Santo Antônio do Descoberto (GO), a partir da próxima segunda-feira (4/8). Essa decisão foi a conclusão de um amplo processo judicial que se arrasta há décadas. A disputa pela posse das terras envolve, entre outros, membros da família do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), que alegam ser herdeiros de uma parte das áreas contestadas.
No dia 28 de julho, a juíza Ailime Virgínia Martins, da 1ª Vara Cível da comarca de Santo Antônio do Descoberto, expediu um mandado de desocupação compulsória, permitindo que apenas 16 famílias em situação de vulnerabilidade permaneçam no local. Na ordem, a juíza permite que o oficial de Justiça que executar a ordem solicite apoio da Polícia Militar (PMGO), do Corpo de Bombeiros (CBMGO) e do Conselho Tutelar, caso necessário, para que a desocupação ocorra de forma “prudente e moderada”, e com a possibilidade de arrombamento de cômodos, móveis e obstáculos.
Histórico da disputa pela terra
A luta judicial pela área de Antinha de Baixo remonta a 1945, quando um parente de um antigo residente, Francisco Apolinário Viana, entrou com um pedido no TJGO para assegurar a regularização de sua parte das terras. Décadas depois, em 1985, outros três indivíduos alegaram ser herdeiros de partes da mesma área, incluindo Maria Paulina Boss, casada com Emival Ramos Caiado, tio do atual governador. Em 1990, esses herdeiros conseguiram uma decisão favorável que lhes assegurou a posse da área. No entanto, embora a sentença tenha transitado em julgado em 1995, a desocupação efetiva só começou em 2014.
Desde então, os moradores vêm tentando reverter a situação através de recursos judiciais. Contudo, a situação se complicou quando Breno Boss Caiado, filho de Maria Paulina e primo do governador, entrou com recursos adicionais no processo, alegando irregularidades nas tentativas de usucapião e divisão das terras feitas pelos atuais ocupantes. Em 2023, ao ser nomeado desembargador, Breno Caiado retirou-se oficialmente do caso, mas não sem deixar um impacto significativo no processo judicial.
Desespero entre os moradores
A iminente desocupação tem gerado um clima de desespero entre os moradores, que veem suas vidas desmoronarem. O aposentado Joaquim Moreira, de 86 anos, expressa sua angústia ao lembrar que nasceu e cresceu ali: “Não tenho outra casa em lugar nenhum.” A motorista de transporte coletivo, Viviane Barros, também desabafa sobre a situação: “Aqui é o nosso cantinho. Como pode alguém criar tudo com amor e, de repente, ser despejado?” Os relatos de Viviane e de outros moradores refletem um sentimento comum de impotência diante da decisão judicial.
A agricultora familiar Vilani de Oliveira, de 52 anos, que vive da venda de hortaliças, destaca que a desocupação ameaça não apenas suas casas, mas a sua fonte de renda. “Minha vida inteira é dedicada a esse lugar. Para onde eu vou?!”, questiona, visivelmente desesperada.
Controvérsias e alegações de irregularidades
O advogado Porfírio da Silva, que defende a comunidade, levanta questões sobre a legitimidade dos títulos que sustentam a reivindicação dos herdeiros. Ele alega que os documentos apresentados por Breno Caiado para comprovar a propriedade são falsos. “As escrituras são nulas”, afirma Porfírio, ressaltando que as terras pertenciam a quilombolas há cerca de quatro séculos, uma informação que a jurisprudência atual ignora. Ele teme que a desocupação possa resultar em parcelamento irregular da área.
Além disso, a busca pelo reconhecimento das terras como área quilombola está em andamento e, se bem-sucedida, pode transferir a responsabilidade da área para a União, protegendo os moradores de novas tentativas de despejo.
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Posicionamentos das autoridades
O Metrópoles entrou em contato com o Ministério Público de Goiás (MPGO) para entender a postura do órgão no caso, que se limitou a afirmar que a decisão do juiz deve ser cumprida. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), por sua vez, informou que, embora algumas famílias sejam classificadas como vulneráveis e tenham direito a moradias provisórias, a relocação das famílias não será imediata e dependerá da provocação do poder público.
Enquanto isso, as vozes de desespero e descontentamento se intensificam entre os moradores da Antinha de Baixo, que aguardam incertezas e esperam por um desfecho favorável que preserve suas vidas e suas histórias de luta.