A Jornada de Autodescoberta: O Diagnóstico Tardio de Aline
A escritora e servidora pública Aline Campos, que completou 43 anos, teve sua vida transformada ao descobrir que era autista. Essa revelação ocorreu após levar seu filho João, que na época tinha seis anos, para uma avaliação clínica, onde começou a suspeitar que ele poderia ser autista. Na busca por respostas para os comportamentos do menino, Aline encontrou explicações para suas próprias angústias acumuladas ao longo de décadas. “Quando a neuropsicóloga me olhou e afirmou: ‘Você é autista clássica’, foi um choque. Mas, ao mesmo tempo, tudo fez sentido”, recorda a moradora de Brasília.
Desde aquele dia, Aline começou a se aprofundar no universo da neurodivergência e a olhar para sua história sob uma nova perspectiva. “Após o diagnóstico, consegui nomear tudo que vivi. Hoje, não me sinto mais inadequada, não me vejo mais como errada. Para mim, o diagnóstico foi libertador de muitas maneiras”, resume.
Identificando os Sinais do Autismo
Muitos se perguntam: será que sou autista? Aline destaca algumas características comuns, como: dificuldade em interagir socialmente, o que inclui interpretar expressões faciais e normas sociais, além de manter diálogos fluidos. Outro sinal frequente é a hipersensibilidade a sons, luzes, texturas ou cheiros, que pode resultar em sobrecarga sensorial. Há também a tendência a se concentrar intensamente em interesses específicos, apresentando dificuldades em alternar a atenção para outras atividades.
Movimentos repetitivos ou a necessidade de seguir rotinas rígidas são formas de regular as emoções. Muitas pessoas autistas, especialmente mulheres, sentem-se frequentemente “diferentes” e utilizam o que chamam de “máscaras sociais” para aparentar normalidade, o que pode ser exaustivo.
Anos de Silêncio e Esforço para se Encaixar
Observando seu passado, Aline acredita que seu pai também poderia ser autista, embora nunca tenha recebido um diagnóstico formal. Crescendo em um ambiente familiar conturbado, Aline enfrentou dezenas de dificuldades, como problemas escolares, traumas sociais e hiper-sensibilidade, mas ninguém percebeu que seu comportamento poderia estar relacionado ao autismo.
Ela vivenciou diversos sinais que passaram despercebidos, como uma seletividade alimentar que a impediu de comer adequadamente até os 11 anos, quando só aceitava leite integral. “Eu não comia nada, nada. Apenas leite, e passei por vários pediatras, mas ninguém se deu conta de que isso poderia ser autismo”, afirma.
A dificuldade em socializar e em compreender comandos resultou em problemas acadêmicos. “Eu pensava que era burra, mas na verdade era por causa da discalculia que eu tinha”, recorda Aline. Ao longo da vida, ela se viu forçada a usar uma máscara social para esconder seus sintomas, o que acarretou um desgaste emocional significativo. “Era um gasto de energia gigante e isso me consumia completamente”, conta.
Desvendando a Realidade do Autismo Feminino
O Censo 2022 revelou que mais de 2,4 milhões de brasileiros vivem com autismo, com uma prevalência maior em homens. Entretanto, especialistas apontam que a subnotificação entre mulheres é alarmante. Comportamentos como dificuldades em socialização e seletividade alimentar frequentemente passam despercebidos, levando a que muitas mulheres sejam rotuladas com diagnósticos errados, como “ansiosas” ou “sensíveis demais”.
A neuropsicopedagoga Silvia Kelly Bosi, de São Paulo, destaca que o diagnóstico feminino costuma ser afetado por questões de gênero. As mulheres, desde cedo, desenvolvem estratégias de camuflagem social para se adaptar, ocultando seus verdadeiros sinais e retardando a busca por ajuda. Essa habilidade é conhecida como masking, dificultando o diagnóstico, especialmente em casos de autismo leve, como no de Aline, que é classificado hoje como nível 1.
Consequências de um Diagnóstico Tardio
As repercussões de um diagnóstico tardio vão além do impacto emocional; elas afetam a vida acadêmica e profissional. “Cada ano sem um diagnóstico representa um ano sem acesso ao acolhimento e às intervenções necessárias, o que é um atraso na vida”, alerta Silvia. A neuropsiquiatra Gesika Amorim, especialista em autismo, afirma que o espectro autista é frequentemente confundido com outros transtornos, levando as mulheres a serem mal interpretadas como bipolares ou depressivas.
Para um diagnóstico adequado, a avaliação deve ser feita por profissionais qualificados em TEA. Gesika adverte sobre os riscos de diagnósticos imprecisos, especialmente por meio de abordagens online. “O autismo em adultos pode ser complicado de entender e merece uma equipe adequada para avaliação”, afirma.
Reescrevendo Sua Própria História
Embora o diagnóstico não seja a solução mágica, ele representou um marco na vida de Aline. No entanto, ela ainda enfrenta piadas e descrença sobre seu autismo. “Infelizmente, as pessoas invalidam constantemente o seu diagnóstico. Ouço muitas piadas, mas não fico mais em silêncio. Cheguei até a mudar de setor no trabalho devido a conflitos com colegas preconceituosos”, relata.
No entanto, o diagnóstico também trouxe a Aline uma nova perspectiva. Hoje, ela desenvolveu métodos de aprendizagem inovadores, escreveu livros e se tornou uma referência em educação inclusiva. Embora reconheça que, com um diagnóstico mais precoce, sua vida poderia ter sido diferente, ela prefere se concentrar nas oportunidades atuais. “Hoje, busco qualidade de vida e me sinto completa. Encontrei minha essência e posso ajudar João a não precisar usar as mesmas máscaras que eu usei”, encerra Aline.