Um dossiê publicado no British Medical Journal (BMJ) destaca a liderança do Brasil em saúde dentro do G20, posicionando o Sistema Único de Saúde (SUS) como um modelo decolonial que o país deve defender em suas interações internacionais. A professora Deisy Ventura, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e vice-diretora do Instituto de Relações Internacionais (IRI), analisa os dados apresentados, enfatizando a importância do sistema público de saúde brasileiro.
Deisy Ventura observa que o Brasil frequentemente alterna entre a adoção de modelos estrangeiros considerados de sucesso e a valorização de iniciativas locais, sem a análise contextual do que ocorre globalmente. A especialista ressalta a importância de um equilíbrio entre essas perspectivas, buscando extrair o que há de positivo tanto das referências internacionais quanto das práticas locais.
Apesar das críticas frequentes, o SUS é um exemplo de acesso universal à saúde, embora ainda enfrente desafios. A professora destaca que as críticas ao sistema muitas vezes desconsideram suas limitações orçamentárias e a desvalorização dos profissionais de saúde, uma mentalidade comum em países ricos e organizações internacionais que veem a saúde como um gasto e não como um investimento.
Durante a pandemia de Covid-19, Deisy observa que houve um reconhecimento momentâneo da importância do SUS no enfrentamento da crise, mas logo após, houve uma retomada do apoio a modelos estrangeiros, como os seguros de saúde privados. “Convivemos diariamente com críticas ao SUS, mas não é considerado o desinvestimento e a desvalorização do setor”, afirma.
A professora defende que o Brasil deve priorizar seu sistema de saúde e resistir a políticas de austeridade e cortes de gastos públicos. O acesso universal à saúde deve ser uma prioridade nacional, e o SUS deve ser visto como referência global. Ela também enfatiza a justiça e equidade na alocação de recursos, especialmente em um contexto onde a maioria dos recursos está concentrada nos países mais ricos.
O dossiê publicado no BMJ contém três artigos que abordam a importância do Brasil na saúde internacional. O primeiro, escrito pelo Doutor Paulo Buss e membros do Centro de Saúde Global e Diplomacia da Saúde da Fiocruz, destaca a influência brasileira na política de saúde mundial, citando o acesso universal ao tratamento da AIDS nos anos 1990, que desafiou normas internacionais. O artigo sugere que o Brasil pode usar sua posição no G20 para defender suas propostas em fóruns internacionais.
O segundo artigo, liderado pelo professor Vitor Henrique Pinto Ido e colegas da Faculdade de Direito (FD) da USP, discute a necessidade de abordar questões de saúde pública com uma perspectiva equitativa e sustentável. O terceiro artigo, coautorado por Deisy e outros cinco pesquisadores, faz uma análise sobre a descolonização da saúde global, defendendo a diversidade nas lideranças internacionais e maior acesso a publicações científicas.
Uma contribuição notável é feita por Adriana Salay Leme, especialista em segurança alimentar, que destaca o papel do SUS na segurança alimentar. Durante a pandemia, foram estabelecidas diversas parcerias e iniciativas, como distribuição de marmitas e cestas básicas. Deisy enfatiza que o SUS pode ser um instrumento vital para promover a segurança alimentar e que essa questão merece ser consolidada e desenvolvida como uma atribuição do sistema.
Em suma, o dossiê ressalta que o SUS não apenas representa um sistema de saúde, mas também uma plataforma para promover a justiça social e a equidade no acesso à saúde. A defesa do SUS é fundamental para garantir que o Brasil continue sendo uma voz ativa nas discussões globais sobre saúde e bem-estar. O reconhecimento do valor do SUS e a promoção de um sistema de saúde mais justo são passos essenciais para um futuro mais sustentável, onde todos tenham acesso à saúde de qualidade.