Recentemente, o jornalista Mário Magalhães, conhecido por suas biografias de figuras icônicas, como Carlos Marighella, compartilhou uma intrigante história em suas redes sociais. Ele relatou a experiência de receber uma coleção impressionante de recortes de notícias sobre Carlos Lacerda, ex-governador da Guanabara, que foram cuidadosamente organizados por uma fã ao longo de muitos anos. Após o falecimento dessa dedicada colecionadora, todo o material, arquivado em três grandes álbuns, estava a ponto de ser esquecido até que, de maneira surpreendente, chegou às mãos do biógrafo, graças a pessoas generosas que ele nem conhecia. Essa situação não é inédita no mundo das biografias; frequentemente, uma verdadeira comunidade se forma ao redor do biógrafo, compartilhando histórias e materiais que, de outra forma, poderiam se perder no tempo. No entanto, o mais fascinante nesse processo são as coincidências que parecem acontecer em um fluxo constante.
Em outra ocasião, o professor de arquitetura José Carlos Coutinho viveu uma experiência curiosa em casa, quando, sem aviso prévio, uma pilha de livros caiu à sua frente. No meio daquela desordem literária, ele encontrou um tesouro inesperado: um texto datilografado, perdido há mais de três décadas. Este documento continha a degravação de uma entrevista realizada por ele e outros dois arquitetos com Gustavo Capanema, uma figura crucial para aqueles que buscam entender a biografia do urbanista Lúcio Costa. Capanema, ex-ministro da Educação, foi o responsável por convocar Costa para criar o edifício que se tornou um marco da arquitetura moderna no Brasil. A descoberta desse material trouxe a José uma alegria indescritível, como se ele tivesse encontrado algo que não sabia que procurava.
Ruy Castro, autor de “A vida por escrito”, relata também essas coincidências incríveis que permeiam o trabalho de biógrafos. Um episódio interessante ocorreu durante a pesquisa para a obra “Metrópole à beira-mar”, quando ele se viu na urgência de contatar a família do cartunista J. Carlos para obter autorização para usar um de seus desenhos. Em uma manhã rotineira, enquanto ele e sua esposa, a escritora Heloísa Seixas, desfrutavam de água de coco em um quiosque à beira-mar em Ipanema, Ruy comentou sua necessidade de encontrar os herdeiros de J. Carlos. Sucedeu que, ao perguntar a um transeunte as horas, o homem se apresentou como José Carlos de Britto e Cunha, neto de J. Carlos. Essa revelação deixou Ruy arrepiado, como se tivesse sentido a presença do “Sobrenatural de Almeida”, personagem de Nelson Rodrigues que representa eventos inexplicáveis que beiram o milagre em nossas vidas.
Ruy Castro, que biografou ícones como Nelson Rodrigues, Carmen Miranda e os precursores da Bossa Nova, é um verdadeiro colecionador de momentos assim. Um dos episódios mais interessantes aconteceu enquanto ele investigava a trajetória de Garrincha. Ruy estava tentando confirmar um show que teria acontecido no Automóvel Clube do Rio de Janeiro na noite de 30 de março de 1964, após um discurso marcante de João Goulart, que antecedeu o golpe militar. Para isso, decidiu retornar aos microfilmes de jornais antigos na Biblioteca Nacional, já que os arquivos da época ainda não estavam digitalizados. Depois de horas buscando informações sem sucesso, Ruy se distraiu e notou um homem que parecia estar fazendo buscas semelhantes. O homem, que se apresentou como um ex-militar da Marinha, começou a descrever sua experiência naquela noite. Quando Ruy perguntou se ele havia ido ao Automóvel Clube, o ex-militar confirmou sua presença e, para a surpresa de Ruy, detalhou os artistas que se apresentaram, incluindo Elza Soares, mulher de Garrincha. Esse encontro fortuito proporcionou a Ruy a confirmação que ele buscava, reencontrando um episódio importante da memória nacional.
Essas histórias refletem a magia que rodeia o trabalho de biógrafos, revelando como pequenas coincidências podem esclarecer episódios esquecidos da história e adicionar profundidade às narrativas biográficas. É por meio dessas revelações inesperadas que a vida de figuras históricas ganha nova luz, transformando relatos aparentemente comuns em verdadeiros tesouros literários.