O Resgate de uma Peça Histórica
Encravado no ponto mais alto de Olinda, Pernambuco, um impressionante reservatório de água dos anos 30 chama a atenção. Com dimensões equivalentes a um prédio de seis andares, ele se destaca em frente à principal igreja da cidade, criando um contraste com a arquitetura local. No entanto, o verdadeiro legado deste edifício vai além de suas dimensões: ele é um exemplo notável do uso do cobogó.
Projetado pelo arquiteto Luiz Nunes, o reservatório não se limita a ser uma caixa-d’água convencional, mas adota um elemento construtivo revolucionário que surgiu no Recife alguns anos antes: o cobogó. Esta inovação permitiu, pela primeira vez, a construção de um prédio “vazado”, um conceito que, nas décadas seguintes, se espalharia por diversas cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo.
Hoje, em um período marcado por ondas de calor, o cobogó ressurge como uma solução inovadora, oferecendo alívio em ambientes quentes. A Climatempo alertou para a sexta onda de calor do ano no Brasil, com temperaturas superando os 40 graus em várias regiões. O cobogó, ao mesmo tempo que bloqueia a radiação solar, permite a passagem de luz e a circulação de ar, criando um ambiente mais fresco.
A Eficácia do Cobogó na Climatização Passiva
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A ideia de utilizar cobogós remete às estratégias arquitetônicas de modernistas do século XX que buscavam maneiras de amenizar o calor em um período sem ar-condicionado. A arquiteta Guilah Naslavsky, especialista na temática, explica que o cobogó atua como um “colchão de ar”, criando zonas de proteção contra o sol. Para Marcella Arruda, co-curadora da Bienal Internacional de arquitetura de São Paulo, ele representa uma fusão entre sustentabilidade e a estética da arquitetura brasileira.
No caso do reservatório em Olinda, a fachada vazada dos cobogós não apenas protege do sol, mas também ajuda a resfriar as águas armazenadas, uma forma de climatização passiva que ocorre naturalmente. Apesar da utilidade do cobogó, muitos edifícios recentes em Recife e outras cidades brasileiras ignoram essas soluções, preferindo fachadas fechadas em vidro, que absorvem calor e não oferecem ventilação adequada.
Origem e Popularização do Cobogó
O arquiteto Cristiano Borba, em sua pesquisa para o livro “Cobogó de Pernambuco”, descobriu a patente da peça construtiva datada de 1929. Curiosamente, o nome “cobogó” é uma junção das iniciais de três engenheiros que atuavam no Recife: Amadeu Oliveira Coimbra, Ernest August Boeckmann e Antônio de Góis. A origem do termo não remete a influências africanas ou indígenas, embora muitos associem erroneamente.
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Os criadores do cobogó não buscaram uma solução arquitetônica para ventilação, mas sim um bloco de cimento pré-fabricado, que tornaria a construção mais prática e econômica. Com o tempo, a peça ganhou novos significados e usos, especialmente após ser adotada pelos arquitetos modernistas de Recife.
Com a popularização, o cobogó passou a ser utilizado em diversas construções, sendo um elemento marcante na identidade de cidades como Rio de Janeiro e Brasília, onde se tornou parte do estilo moderno de arquitetos como Oscar Niemeyer.
O Cobogó na Atualidade e Seus Benefícios Ambientais
O cenário atual, marcado pela crise climática e pelo aumento das temperaturas, faz do cobogó uma solução relevante para o conforto térmico. Pesquisadores sugerem que poderia haver uma reavaliação do uso de cobogós em novos projetos de construção, especialmente em edifícios públicos e residenciais, para garantir melhor ventilação e resistência ao calor.
Entretanto, o receio da exposição à rua e a urbanização acelerada dificultam a adoção das fachadas vazadas. A arquiteta Guilah Naslavsky enfatiza que a tendência atualmente é a criação de fachadas herméticas, sem aberturas para o ambiente externo, o que contrasta com a necessidade de ambientes arejados e com sombra.
Ao mesmo tempo, há uma nova onda de jovens arquitetos em áreas quentes, que reimaginam o uso dos cobogós, criando soluções inovadoras que podem se tornar tendência no futuro. Se inspirando no passado, esses profissionais buscam integrar elementos que proporcionem conforto térmico e estética em suas obras.
Em suma, o cobogó, que começou como uma solução industrial prática, se transformou em um ícone da arquitetura brasileira e uma resposta às necessidades climáticas atuais. O desafio agora é resgatar essa inovação e adaptá-la às exigências contemporâneas, proporcionando um futuro mais sustentável e confortável para todos.