Em julho de 2023, o Institut Pasteur de São Paulo (IPSP) lançou um inovador grupo de pesquisas focado no monitoramento do surgimento e na evolução de novas cepas do vírus influenza, responsável pela gripe, na cidade de São Paulo. A iniciativa visa fortalecer a vigilância epidemiológica e melhorar as estratégias de prevenção, diante da constante mutação do vírus e da sua capacidade de se espalhar rapidamente entre a população.
Uma das principais metodologias adotadas pelo IPSP envolve a coleta periódica de amostras de esgoto. Esse método permite identificar quais cepas do vírus estão em circulação, avaliar o potencial risco que representam para a saúde tanto humana quanto animal, além de prever o início e o pico de transmissão do vírus na área urbana. Os dados obtidos serão compartilhados com as autoridades de saúde pública, contribuindo para o desenvolvimento de vacinas mais eficazes e ágeis contra a gripe.
O projeto apresentado pelo IPSP está previsto para durar entre quatro e cinco anos e é financiado pela FAPESP. Essa pesquisa surge em um contexto em que atualmente os imunizantes disponíveis, distribuídos pelo ministério da saúde, visam proteger a população das três cepas do vírus influenza que mais têm circulado nos hemisférios Norte e Sul. Contudo, um dos principais desafios enfrentados pelas vacinas é que as cepas em circulação nem sempre coincidem com aquelas que compõem o imunizante. Devido à diversidade do vírus e sua rápida mutação, a eficácia das vacinas pode variar entre 40% e 60%, dependendo da correspondência entre as cepas em circulação e os componentes vacinais.
O virologista e biomédico Rúbens Alves, coordenador do grupo de pesquisa Survivax: Laboratório de Vigilância Genômica e Inovação em Vacinas, destacou que a nova abordagem de vigilância por meio de amostras de esgoto promete mitigar esse problema. Esta técnica, que se demonstrou eficaz durante a pandemia de Covid-19 e foi utilizada em mais de cem países, permite um monitoramento mais abrangente da população. “No caso do coronavírus, conseguimos identificar picos de transmissão em uma determinada região com duas semanas de antecedência, o que foi crucial para decisões de saúde pública”, explicou ele.
Atualmente, a vigilância do vírus influenza enfrenta desafios, pois é realizada pela Rede Global de Vigilância de Influenza da Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa rede, composta por laboratórios em todo o mundo, é responsável por monitorar e identificar vírus potencialmente pandêmicos com base em análises laboratoriais. Anualmente, a OMS prevê, com seis a oito meses de antecedência, quais cepas devem ser utilizadas na produção de vacinas para o hemisfério Sul.
Um dos grandes benefícios da vigilância por amostras de esgoto é sua capacidade de oferecer uma cobertura mais representativa da população. Essa abordagem é capaz de incluir indivíduos que podem não ter acesso a serviços de saúde ou que optam por não buscar atendimento durante a infecção. Ademais, esse método é menos oneroso, dado que requer menos exames clínicos, e possibilita um monitoramento contínuo, que não se limita apenas a períodos de alta circulação do vírus. “Através do esgoto, conseguimos não apenas monitorar o influenza, mas também outros patógenos que podem causar surtos”, completou Alves.
Além disso, no escopo do projeto do IPSP, está a proposta de desenvolver uma plataforma de vacina baseada em RNA autorreplicativo. Esse tipo de tecnologia imita um mecanismo encontrado em alguns vírus, o que permite que a sequência codificadora da proteína alvo da vacina seja replicada várias vezes. Os benefícios dessa plataforma incluem a necessidade reduzida de RNA para a produção das vacinas, além de respostas imunológicas mais prolongadas, aumentando a eficácia do imunizante e reduzindo potenciais efeitos colaterais. Outra vantagem importante é a agilidade na produção da vacina, que é essencial para responder rapidamente a surtos de gripe e outras doenças virais.
Com a experiência adquirida em seu pós-doutorado no La Jolla Institute for Immunology, onde trabalhou no desenvolvimento de vacinas contra Covid-19 e outros vírus, Rúbens Alves enfatiza a importância de estar atento aos subtipos de vírus que podem gerar pandemias. “Atualmente, o foco está na gripe aviária, tipo A, subtipo H5N1. Na América do Norte, já estamos observando surtos em rebanhos e os primeiros casos humanos relacionados ao vírus. A vigilância e o desenvolvimento de vacinas mais eficazes são cruciais para evitar que essas cepas se tornem pandemias”, alerta Alves. Com essa abordagem inovadora, o IPSP se posiciona na vanguarda da pesquisa em vacinas, contribuindo para a saúde pública e a segurança global.