O brics desempenha um papel crucial ao tentar superar os obstáculos criados pelos Estados Unidos e seus aliados, que dificultam o avanço comercial e tecnológico da China. Países que enfrentam bloqueios econômicos, como o Irã e a rússia, também veem no brics uma oportunidade para escapar da opressão financeira gerada pelas sanções. Nesse cenário, o brasil se encontra na posição de equilibrar suas relações entre os dois principais blocos geopolíticos globais, buscando maximizar os benefícios comerciais e tecnológicos que essa navegação estratégica pode proporcionar.
Essa avaliação foi feita por especialistas em relações internacionais consultados sobre a 16ª Cúpula do brics, agendada para ocorrer em Kazan, rússia, entre os dias 22 e 24 de outubro. O evento deverá contar com a presença de 24 líderes de Estado, incluindo o presidente do brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
De acordo com o professor José Augusto Fontoura Costa, especialista em direito do comércio internacional da Universidade de São Paulo (USP), a China tem enfrentado sanções econômicas orquestradas pelos Estados Unidos e pela europa, que visam impedir seu crescimento tecnológico. Entre essas sanções, destacam-se proibições de investimentos chineses em território americano, restrições à exportação de tecnologia avançada para a China e campanhas visando excluir empresas chinesas da expansão da rede 5G, uma tecnologia essencial para o futuro.
“A atual tensão entre os Estados Unidos e a China caracteriza uma guerra comercial com o intuito de conter o desenvolvimento desta potência asiática. Em resposta, a China busca construir um ambiente econômico próprio, algo que é de interesse não apenas dela, mas também de praticamente todos os demais membros do brics”, detalhou o professor.
Este especialista em política internacional ainda ressaltou que a competição entre a China e os Estados Unidos concentra-se em setores de alta tecnologia, como chips, foguetes, biotecnologia, produtos farmacêuticos e química avançada. “É neste campo que se decidirá quem será o novo líder hegemônico global: se os Estados Unidos continuarão na vanguarda ou se a China se tornará o novo protagonista, ou ainda, se acabará surgindo um equilíbrio”, avaliou.
Originalmente composto por brasil, rússia, Índia, China e África do Sul, o brics acolheu cinco novos membros em 2023, incluindo Irã, arábia saudita, Emirados Árabes Unidos e Egito, e há expectativas de que ainda mais parceiros sejam anunciados.
A coordenadora do grupo de pesquisa sobre brics da PUC do rio de janeiro, professora Maria Elena Rodríguez, destacou que é do interesse das potências ocidentais manter o controle sobre as tecnologias mais avançadas disponíveis. “Essa posição resulta de um interesse econômico muito claro. Ao dominar uma tecnologia exclusiva, um país garante que outros precisam depender dele, tanto economicamente quanto em termos de necessidades essenciais. Esse comportamento se alinha ao que se convencionalmente chama de imperialismo, e em questões de tecnologia, podemos observar um aspecto de colonialismo”, explicou.
Maria Elena acredita que o brics deve aprofundar a cooperação tecnológica entre seus estados-membros, uma vez que os bancos ocidentais, como o Banco Mundial, não têm tantos incentivos para promover o desenvolvimento tecnológico. “Neste contexto, a função do Banco dos brics é fundamental, pois tem contribuído para que os países avancem em níveis significativos de desenvolvimento”, afirmou.
Para o professor José Augusto, é imprescindível que o brics desenvolva sistemas de financiamento e mercados que respalde o avanço em tecnologias de ponta. “O desenvolvimento tecnológico e as pesquisas exigem investimentos robustos, uma economia sólida e mercados que sustentem tanto a produção quanto o consumo. A integração econômica que já existe entre os membros do brics é um aspecto vital, pois sem ela, a China enfrentaria enormes dificuldades para se manter na linha de frente tecnológica. Portanto, a atuação do brics é de suma importância”, concluiu.
Estima-se que o bloco represente cerca de 36% do Produto Interno Bruto (PIB) global, superando o G7, que engloba as maiores economias do mundo, com uma participação em torno de 30% do PIB global. Além disso, o brics responde por aproximadamente 42% da população mundial.
No cenário atual, os especialistas indicam que o brasil deve encontrar seu espaço dentro do brics sem, contudo, abdicar de sua posição no bloco liderado pelos Estados Unidos. O professor José Augusto sublinhou a importância de o brasil aproveitar sua relação com a China para acelerar o avanço tecnológico. O país já possui expertise em pesquisa agropecuária, tecnologia aeronáutica, petróleo e gás, assim como em construção civil e energia hidrelétrica.
“O brasil não é um deserto tecnológico; temos competência, mas perdemos tempo sem investir de maneira eficaz em ciência e tecnologia. É fundamental reconhecer que nosso progresso tecnológico foi impulsionado pelo Estado através de iniciativas como a Petrobras, Embrapa e Embraer, que, mesmo sendo uma empresa privada, recebe investimentos públicos”, explicou.
Por sua vez, a professora Maria Elena Rodríguez, da PUC Rio, observou que o brasil tem buscado estabelecer uma agenda focada em tecnologia, em linha com o projeto de neo-industrialização do governo federal. “O brasil está fazendo esforços para que a China seja uma parceira crucial em tecnologias verdes, que irão apoiar nosso processo de reindustrialização. De fato, o país está se posicionando de forma assertiva no fortalecimento de laços entre nações do Sul Global”, acrescentou.