Oportunidades e Desafios na COP30

Com as malas prontas para a COP30, a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que ocorrerá em Belém nas próximas semanas, o professor Carlos Eduardo Cerri, renomado pesquisador do Departamento de Ciência do Solo da Esalq/USP e diretor do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CICARBON-USP), traz consigo não apenas experiência, mas dados que podem mudar a narrativa brasileira neste importante evento climático.

A COP30 representa uma oportunidade singular, uma janela que pode não se repetir. Ao contrário de edições anteriores, onde países dependentes de combustíveis fósseis dominaram as discussões, essa conferência se apresenta com um novo cenário. Em uma reunião na terça-feira (9) com a Rede Agrojor, uma rede de jornalistas do setor agro, Cerri destacou que é o momento ideal para o Brasil. “Se organizarmos nossas ideias, podemos trazer uma discussão mais complexa, algo que não foi abordado nas COPs anteriores”, afirmou.

Nos últimos encontros, a influência dos combustíveis fósseis foi predominante, com países como a Azerbaijão e os Emirados Árabes Unidos, que têm alta dependência desse recurso, liderando as discussões. Cerri observa que mais de 75% das emissões globais vêm da queima de combustíveis fósseis, e o próximo relatório do IPCC indicará que esse número pode chegar a quase 80%.

O Brasil, segundo o professor, chega à COP30 em uma posição privilegiada para liderar uma nova narrativa sobre a interseção entre agricultura e clima. “A verdadeira questão não é se temos a capacidade técnica, pois isso está provado, mas se conseguiremos organizar politicamente essa liderança”, ressaltou.

Um Cenário Radicalmente Diferente

Os dados apresentados por Cerri revelam um Brasil que se destaca do cenário global. Enquanto 73% das emissões de gases de efeito estufa no mundo provêm da queima de combustíveis fósseis, no Brasil, essa realidade é invertida. “46% das nossas emissões de gases do efeito estufa resultam do desmatamento”, explica Cerri. Somando-se os 27% referentes à agricultura, pecuária e silvicultura, o setor rural é responsável por impressionantes 73% das emissões no país, enquanto o uso de combustíveis fósseis contribui apenas com 18%.

“Este é o único país onde metade das emissões não vem de um setor econômico. Grande parte do desmatamento é ilegal, e essa ilegalidade é um crime, não apenas uma questão de política pública, mas de ação policial”, afirma o professor.

Para Cerri, essa inversão de padrão global oferece uma oportunidade ímpar. “Se não fazermos um esforço significativo para banir o desmatamento ilegal, esse número não irá diminuir. Podemos discutir o desmatamento legal depois”, alerta.

O Potencial Econômico do Mercado de Carbono

Cerri destaca também o potencial inexplorado do Brasil no mercado de carbono, que movimentou impressionantes US$ 760 bilhões em 2023 apenas no segmento regulado. Contudo, o Brasil não participou desse montante. “A participação do Brasil nesse mercado no setor agropecuário? Zero. O motivo? Políticas que excluem o agro primário do mercado regulado”, explica.

O Brasil optou por limitar a participação nos mercados regulados ao setor industrial e de transporte, deixando o agro primário restrito ao mercado voluntário, que ficou com apenas US$ 2 bilhões. Essa decisão política limita a capacidade do país de acessar o crescimento projetado de 14 vezes até 2030-2040, conforme os compromissos do Acordo de Paris se aproximam.

Dados e Metodologias: Um Desafio para o Brasil

Um dos principais entraves enfrentados pelo Brasil nas negociações internacionais é a ausência de dados tropicalizados. As certificações e metodologias internacionais utilizam fatores de emissão desenvolvidos para climas temperados, o que não se aplica à realidade brasileira. “Precisamos de uma versão tropicalizada dessas metodologias, que considere as dinâmicas do nosso clima e solo”, enfatiza Cerri.

Ele também destacou que, em um esforço conjunto ao longo de seis anos, o Brasil aumentou de dois para mais de 650 dados na base internacional do IPCC. No entanto, o Plano Clima que será apresentado na COP30 ainda carrega distorções metodológicas, como atribuir 70% do desmatamento ao setor agropecuário, algo que Cerri considera um erro.

A Ciência do Sequestro de Carbono

Cerri argumenta que o solo brasileiro contém um potencial extraordinário para sequestrar carbono, com estimativas que indicam a presença de 1.500 a 2.000 gigatoneladas de carbono em profundidades de até um metro. “Esse armazenamento supera em até quatro vezes o carbono encontrado na vegetação”, ressalta. A recuperação de pastagens degradadas poderia gerar um ganho líquido significativo no sequestro de carbono.

Por fim, Cerri reafirma que, apesar dos desafios impostos pelas mudanças climáticas, o Brasil tem a capacidade de adotar práticas agrícolas sustentáveis que promovam a resiliência dos sistemas de produção. “Práticas regenerativas aumentam a saúde do solo e, em tempos de crise, garantem uma maior estabilidade nas produções. O Brasil precisa investir nessas práticas”, conclui.

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