Impacto das Stablecoins no crédito Bancário
Roberto Campos Neto, economista e ex-presidente do Banco Central, trouxe à tona a crescente influência dos ativos digitais sobre a função de crédito dos bancos durante um evento realizado em São Paulo na última terça-feira (23). Para ele, essa transformação é impulsionada, em grande parte, pelas stablecoins, que têm provocado uma mudança significativa na forma como as pessoas utilizam seu dinheiro.
Segundo Campos Neto, a migração de recursos de contas bancárias para carteiras digitais é cada vez mais comum. Essa tendência resulta em uma diminuição no volume de reais disponíveis nos bancos, o que, por sua vez, limita a capacidade dessas instituições de conceder empréstimos. “As pessoas estão cada vez mais optando por tirar seu dinheiro dos bancos e colocá-lo em criptomoedas”, ressaltou.
As stablecoins, que são criptomoedas projetadas para manter um valor estável, ancoram seu preço a ativos como o dólar e até mesmo commodities como o ouro. Essa característica torna-as atraentes para os investidores que buscam segurança em suas transações digitais. “O crescimento da stablecoin e do ativo digital é notável. Se você possui uma ‘wallet’ [carteira] para transacionar ativos digitais, a capacidade dos bancos de oferecer crédito é reduzida”, explicou Campos Neto.
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Além disso, ele apontou que as stablecoins também têm favorecido a demanda por títulos do Tesouro dos Estados Unidos, conhecidos como “treasuries”, devido ao aumento no interesse por parte das emissoras dessas criptomoedas. Esses títulos são utilizados pelo governo americano para financiar suas despesas.
“Esse fenômeno de desintermediação está afetando tanto o crédito quanto a política monetária, visto que há uma redução na quantidade de moeda disponível como canal de crédito e depósitos”, afirmou Campos Neto, enfatizando a necessidade de adaptação dos bancos a essa nova realidade.
Crítica à Gestão das Moedas pelos Governos
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Durante seu discurso, Campos Neto também criticou a maneira como diversos governos têm administrado suas moedas. Para ele, essa gestão inadequada resultou em um aumento no endividamento e na fragilidade das divisas ao redor do mundo. “A verdade é que muitos governos não têm tratado bem suas moedas. O nível de dívida é alarmante em muitos países, incluindo os EUA, e isso gera uma percepção de incompetência na gestão das dívidas”, disse.
Ele destacou que os Estados Unidos costumam ser uma referência nesse aspecto, mas que a regulamentação anterior dificultava a conexão entre o setor bancário tradicional e o mercado de ativos digitais, limitando o potencial de investimentos. “Por um bom período, havia barreiras que afastavam o setor bancário do setor de ativos digitais, o que inibia o desejo de investimento das pessoas. Contudo, esse cenário está mudando”, acrescentou.
Trajetória de Roberto Campos Neto
Roberto Campos Neto atuou como presidente do Banco Central entre fevereiro de 2019 e dezembro de 2024, durante os governos de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Sua gestão foi marcada por desavenças com o atual presidente, especialmente em função da alta taxa de juros no país. Ele foi reconhecido por três vezes consecutivas como o “banqueiro central do ano” pela revista LatinFinance e também recebeu o prêmio da revista The Banker em 2020.
Antes de assumir a presidência do Banco Central, Campos Neto trabalhou em várias instituições do setor financeiro, incluindo Santander e Claritas Investments. Desde julho deste ano, ele ocupa a posição de vice-presidente e chefe global de políticas públicas no Nubank. Apesar de ter sido anunciado anteriormente, ele cumpriu um período de quarentena de seis meses após sua saída do BC. Além disso, Campos Neto é membro não independente do Conselho de Administração da Nu Holdings.