Estudo Revela Risco Oculto
A enxaqueca é uma condição complexa e sua manifestação pode variar significativamente entre os indivíduos. Um dos tipos mais preocupantes é a “enxaqueca com aura”, que pode provocar sintomas como visão de luzes piscantes, dormência e problemas na fala ou coordenação motora antes ou durante as crises, conhecidos como “aura”.
Uma pesquisa recente publicada na revista Stroke, da Associação Americana do Coração, sugere que essa modalidade de enxaqueca pode representar um fator de risco significativo para o acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico de origem desconhecida, especialmente em adultos com menos de 50 anos.
O impacto da condição é particularmente notável entre as mulheres, sendo mais acentuado naquelas que também possuem uma anomalia cardíaca conhecida como forame oval patente (FOP). Esse defeito é uma abertura que deveria se fechar após o nascimento, mas, quando permanece aberta, pode permitir a passagem de coágulos ou bolhas de ar para a circulação arterial, aumentando a probabilidade de um AVC.
A prevalência do FOP é significativa, afetando até 25% da população geral. Para este estudo, os pesquisadores examinaram dados de 1.046 europeus com idades entre 18 e 49 anos, divididos igualmente entre aqueles que haviam sofrido AVC isquêmico criptogênico e indivíduos sem histórico de AVC.
Divisão de Fatores de Risco
Os fatores de risco foram categorizados em duas categorias: 12 fatores tradicionais, abrangendo condições como hipertensão, diabetes, colesterol elevado, tabagismo e histórico familiar; e 10 fatores não tradicionais, que incluem a enxaqueca com aura, doenças renais e hepáticas, histórico de câncer, e trombose.
Os resultados foram reveladores: a enxaqueca com aura foi identificada como um fator de risco significativo e independente para AVC. Entre os participantes que também tinham FOP, essa condição foi responsável por 46% do risco de derrame, enquanto, mesmo na ausência do FOP, representou 23% do risco.
As causas menos comuns de AVC em jovens incluem: dissecção arterial, que resulta de lesões traumáticas em artérias que alimentam o cérebro; trombofilias, que podem surgir durante a gestação ou devido a doenças genéticas; e vasculites, inflamações que podem afetar vasos cerebrais por diversos motivos, como doenças autoimunes.
Reconhecimento e Diagnóstico
A relação entre enxaqueca com aura e FOP já havia sido documentada na literatura médica, mas continua sendo subestimada na prática clínica. A neurologista Polyana Piza, gerente do Programa de Neurologia do Hospital Israelita Albert Einstein, observou que “ainda existe pouco conhecimento sobre a necessidade de estratificação de risco e acompanhamento cardiovascular nesses pacientes”.
O estudo fornece apoio adicional à ideia de que a enxaqueca com aura pode ser um importante marcador clínico de risco vascular, especialmente em contextos específicos. De acordo com Piza, a condição pode estar vinculada a mecanismos que favorecem o AVC, como alterações na coagulação sanguínea e disfunções vasculares.
Para aqueles com FOP, o risco é intensificado, já que a anomalia cardíaca pode facilitar a passagem de coágulos para a circulação cerebral, aumentando as chances de obstruções e, consequentemente, AVCs.
A Atenção às Mulheres
Outro ponto preocupante levantado no estudo é o perfil predominante entre os afetados: a maioria das pessoas com enxaqueca com aura no estudo era mulher, o que levanta questões sobre o subdiagnóstico nesse grupo em situações de emergência. Muitas mulheres podem não relatar episódios de aura ou não serem questionadas sobre eles, o que pode dificultar a prevenção de novos episódios.
Piza sugere que investigações cardiológicas sejam consideradas em pacientes com frequência de enxaqueca com aura e sintomas neurológicos atípicos ou prolongados. Ela ressalta que, embora a enxaqueca com aura represente cerca de 15% de todos os casos de enxaqueca, a maior relevância reside na pequena fração que apresenta FOP de alto risco, o que justifica um enfoque mais apurado nesse grupo.
Embora o estudo não trate diretamente de métodos de tratamento, outras pesquisas indicam que intervenções preventivas podem ser eficazes. “Medidas de prevenção devem ser intensificadas em pacientes com enxaqueca com aura e FOP de alto risco”, conclui Piza, enfatizando a importância da orientação médica adequada no uso de medicamentos para prevenir crises.