A Crise Alimentar em Gaza e as Iniciativas de Ajuda Aérea
Com o agravamento da crise alimentar em Gaza, Israel autorizou que vários países realizassem lançamentos aéreos de alimentos no território palestino. Aviões enviados pelos Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Egito, Alemanha, Bélgica e Canadá despejaram 120 fardos de ajuda na segunda-feira (4 de agosto), conforme informações das Forças de Defesa de Israel (FDI).
No dia seguinte, o governo israelense anunciou a liberação parcial da entrada de mercadorias destinadas ao comércio em Gaza. A iniciativa, que inclui fornecedores locais, visa reduzir a dependência da população em relação à ajuda humanitária. Contudo, tanto palestinos quanto organizações humanitárias relataram que a ajuda recebida, seja por meio de lançamentos aéreos ou terrestres, tem sido insuficiente para atender às necessidades alimentares da população.
“Os lançamentos aéreos custam pelo menos 100 vezes mais do que o transporte de caminhões. Um caminhão pode carregar o dobro do que um avião”, destacou Philippe Lazzarini, comissário-geral da Agência das Nações Unidas para Refugiados Palestinos (UNRWA).
Disputa e Inequidade na Distribuição de Alimentos
De acordo com autoridades palestinas e da ONU, Gaza necessita de aproximadamente 600 caminhões de ajuda por dia para suprir as necessidades humanitárias de sua população. Diaa al-Asaad, um deslocado que vive em Gaza e é pai de seis filhos, expressou sua frustração ao afirmar: “O que cai do céu só chega a quem consegue brigar com os outros. Precisamos de uma distribuição justa da ajuda, e não dessa maneira.”
Ele também apontou que muitos dos locais de onde os pacotes são lançados são de difícil acesso, frequentemente situados em áreas militarizadas e controladas por Israel, conhecidas como “zonas vermelhas”.
“A solução não é simplesmente despejar alimentos sobre nós. As pessoas precisam de acesso normal e digno à comida — não como animais lutando por sustento na selva”, acrescentou Majed Ziad, morador do campo de refugiados de Nuseirat.
Desafios para a Ajuda Terrestre
O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) revelou que os comboios terrestres enfrentam atrasos e riscos significativos. Um comboio recente, por exemplo, levou 18 horas para percorrer apenas 24 quilômetros. Além disso, muitos caminhões de ajuda não conseguem chegar ao destino devido a saques tanto por moradores desesperados quanto por revendedores do mercado ilegal.
Israel frequentemente responsabiliza o Hamas por esses desvios, argumentando que essa situação justifica o corte da ajuda humanitária. O Hamas, considerado um grupo terrorista por vários países, incluindo a União Europeia e os Estados Unidos, é frequentemente acusado de dificultar as operações de ajuda.
Dalia al-Affifi, mãe de dois filhos, revelou que a maioria da ajuda não chega às mãos da população em geral. Os preços de itens básicos, como farinha, dispararam, alcançando entre 100 e 120 shekels (cerca de R$ 145 a R$ 170) por quilo, tornando-se inacessíveis para muitas famílias.
Agravamento da Crise Humanitária
Com mais de 2 milhões de habitantes, Gaza enfrenta uma escassez extrema de alimentos. A produção local foi quase totalmente destruída pelos conflitos recentes. Desde o início da guerra, especialistas têm alertado sobre o risco crescente de fome generalizada na região, com o cenário se tornando mais alarmante em julho, conforme relatórios de agências de ajuda.
A Classificação Integrada de Fases da Segurança Alimentar (IPC), apoiada pela ONU, afirmou que “o pior cenário de fome está se concretizando”. Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reportou um aumento nas mortes de crianças devido à desnutrição em meses recentes.
Após pressão internacional em resposta ao bloqueio imposto em março, o governo israelense iniciou, com limitações, a entrega de ajuda em maio. Contudo, a distribuição é realizada em locais sob a supervisão da Fundação Humanitária de Gaza (GHF), controversa, e apoiada por Estados Unidos e Israel. Essa distribuição, porém, tem sido marcada por desorganização, resultando em caos e, em algumas situações, na morte de centenas de pessoas, segundo autoridades ligadas ao Hamas.
Necessidade Urgente de Novas Rotas Terrestres
Para as organizações humanitárias, os lançamentos aéreos devem ser considerados uma medida extrema, utilizada apenas em situações críticas. Durante uma recente visita a Israel e aos Territórios Palestinos Ocupados, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Johann Wadephul, reconheceu as limitações dessa abordagem e pediu a Israel que abra passagens terrestres para garantir uma distribuição eficaz da ajuda.
“A rota terrestre é essencial”, afirmou Wadephul. “O governo israelense deve permitir a passagem segura e rápida da ajuda humanitária e médica em quantidade suficiente para evitar mortes em massa por fome.” Desde o início da guerra em outubro de 2023, autoridades de saúde controladas pelo Hamas relataram mais de 60 mil mortos, com muitos corpos ainda soterrados sob os escombros, sem distinção entre civis e combatentes. A maioria das vítimas são mulheres e crianças.