O Censo Demográfico de 2022, recentemente divulgado, revela dados surpreendentes sobre a composição racial dos praticantes de religiões de matriz africana, em especial da umbanda e do candomblé, no Brasil. Historicamente, essas tradições religiosas têm forte associação com populações negras, mas o levantamento indica que 42,7% dos adeptos se identificam como brancos. Além disso, 33,1% se declaram pardos, enquanto apenas 17,1% se identificam como pretos. Essa desconexão entre as origens afro-brasileiras das religiões e o perfil racial atual dos praticantes suscita importantes discussões sobre a identidade e a diversidade dentro dessas manifestações culturais.
A distribuição geográfica dos praticantes revela que o Rio Grande do Sul abriga a maior porcentagem (3,2%) de adeptos de umbanda e candomblé, seguido por estados do Sudeste, como rio de janeiro (2,1%) e São Paulo (1,6%). Esses números refletem a concentração de população branca nessas regiões, evidenciando uma tendência de crescimento da presença de pessoas brancas nas tradições afro-brasileiras, principalmente nas áreas urbanas do Sul e Sudeste do país. Embora os terreiros continuem a ser locais essenciais para a resistência e a preservação da cultura negra, o aumento da participação branca pode indicar uma transformação nas dinâmicas sociais e culturais dessas religiões.
O Censo 2022 possibilitou que os cidadãosparticipassem da pesquisa de maneira acessível, com opções de entrevista presencial, por telefone ou autopreenchimento online. O questionário incluiu o item “qual é sua religião ou culto?” aplicado a todos os cidadãos com 10 anos ou mais. Importante ressaltar que, para garantir maior precisão nos dados referentes às comunidades indígenas, o quesito foi adaptado para “qual a sua crença, ritual indígena ou religião?” nessas áreas.
A maioria das respostas (98,9%) foi coletada por meio de entrevistas presenciais, totalizando cerca de 72 milhões de questionários preenchidos. A coleta de dados teve como referência zero hora do dia 1º de agosto de 2022 e, seguindo a tradição, a religião continua a ser um foco central das investigações censitárias desde o primeiro Censo, realizado em 1872.
No entanto, a análise dos dados não deve se limitar apenas à composição racial dos praticantes. Apesar de que 42,7% dos adeptos de religiões afro-brasileiras se identifiquem como brancos, a intolerância religiosa continua a ser uma realidade preocupante, principalmente para comunidades negras e periféricas. Relatórios, como o Dossiê Intolerância Religiosa – Discriminação e Violência contra Povos de Terreiro no Brasil (2023), são claros ao afirmar que os terreiros localizados em áreas como favelas e territórios quilombolas são frequentemente alvos de ataques e discriminação.
Rodney William, um babalorixá e doutor em história, ressalta que a “branquitude” pode participar dessas religiões sem carregar o histórico de opressão que afeta as lideranças negras, que frequentemente enfrentam criminalização e invisibilidade. Esse contexto reforça a necessidade de um olhar crítico sobre a dinâmica racial e socioeconômica que permeia as práticas religiosas no Brasil.
Os dados também indicam que a maior parte das pessoas que se autodeclaram pardas está presente em diversas religiões. De acordo com o Censo de 2022, os pardos representam 49,1% dos evangélicos, 45,1% dos que se declaram sem religião e 26,3% dos espíritas, incluindo 33,1% entre os praticantes de umbanda e candomblé. Essa representatividade, embora significativa, também revela desigualdades sociais. Os grupos religiosos com maior proporção de brancos, como o espiritismo, gozam de melhores indicadores socioeconômicos, incluindo maior taxa de escolaridade e menor analfabetismo, além de um acesso predominante à internet em domicílios.
Esses dados são fundamentais para uma compreensão mais ampla das intersecções entre raça, religião e identidade cultural no Brasil contemporâneo. A análise cuidadosa desses fenômenos sociais não só proporciona insights valiosos sobre a diversidade religiosa no país, mas também fomenta debates necessários sobre inclusão, discriminação e a preservação das tradições afro-brasileiras em um contexto que se transforma continuamente.